domingo, 23 de junho de 2013

O meio é a mensagem

O meio é a mensagem

Juremir Machado da Silva*, via blog do Zguiotto


Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY


Calma, calma, não vai doer. Tomarei todo o cuidado. Citarei um francês e um canadense. Os dois já morreram. Não é preciso saber coisa alguma sobre eles para entender o que será citado. Tudo estará aqui mesmo neste texto. O assunto é o sorteio dos grupos das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014. Assunto atrasado? É para ver como nunca faltam temas para um cronista. Sobram. O francês Jean Baudrillard, que era meu amigo e amava as mulheres, as viagens e a ironia, num belo livro chamado "Tela Total", que inventei no Brasil, reunindo seus artigos publicados no jornal Libération, só depois tendo sido lançado na França, teve esta sacada: "A televisão chama bastante a atenção nos tempos que correm. Faz falar dela. Em princípio, ela está aí para nos falar do mundo e para apagar-se diante do acontecimento como um meio que se respeite. Mas, depois de algum tempo, parece, ela não se respeita mais ou toma-se pelo acontecimento". Foi o que vimos no último sábado.
O sorteio dos grupos das Eliminatórias deveria ser promovido pela Fifa e pela CBF com cobertura dos meios de comunicação. Foi organizado por um meio de comunicação, a Rede Globo, e sua filial RBS, através da empresa Geo Eventos. A cerimônia, além de brega, mostrou o meio tomando-se pelo acontecimento, com as estrelas da casa sendo promovidas a protagonistas. Tivemos direito até a um texto-poema intragável do Pedro Bial sobre as belezas brasileiras. Pelo jeito, a estética BBB corroeu o cérebro do ex-jornalista. A Globo vem manipulando o imaginário brasileiro. Promoveu Ivete Sangalo a "voz do Brasil". O problema é que não se resume ao horário radiofônico das sete da noite. O processo de unificação do país promovido pela ditadura militar, que ajudou a bancar a Globo, continua sendo bancado pela criatura. Flamengo e Corinthians foram promovidos a clubes nacionais. Só eles.
Por terem maiores torcidas, recebem mais verbas de televisão e jogos em horários nobres. Por terem mais verbas e horários nobres, formam melhores times, tendem a ganhar mais títulos e aumentar a torcida. E daí? É irrelevante? Pode ser. Mas é uma demonstração de interferência do meio no imaginário. Por que a Copa do Mundo de 2014 já é da Globo? Por que os cofres públicos do Rio destinaram R$ 30 milhões à festinha do sábado? Por que o evento não foi montado por seus verdadeiros organizadores para cobertura de todos em pé de igualdade? Por que um evento privado, um torneio de futebol, vira uma questão de Estado e carreia verbas públicas para obras faraônicas e desnecessárias? Por que a cara do Brasil a ser vista lá fora deve ser fixada pela Globo?
Chego ao canadense Marshall McLuhan, cujo centenário de nascimento se comemora neste ano. É dele a célebre frase: o meio é a mensagem. Não importa o que se diz nem quem diz. Importa onde se diz. A mensagem do sorteio do último sábado é a Globo, que se toma pelo acontecimento, parasita o acontecimento, impõe sua lógica e confessa que não se respeita mais, se um dia o fez. Sonhamos com a imaginação no poder. Temos a mídia no poder. Ou, como dizia Baudrillard, "a mídia revelou-se muito mais conformista, muito mais servil do que previsto". Serve exclusivamente a si mesma. Humildemente.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 02/08/201

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