segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Gerenciamento de água. Tema antigo mas rico. Pode ser solicitado.

http://www.cbcs.org.br/sushi/images/sura_pdf/sem%20agua%2012-08-2010%20-%20Rodolfo%20Scarati.pdf

Proposta de carta. Organizações brasileiras entregam carta à Dilma pedindo suspensão do leilão do pré-sal


Na tarde desta sexta-feira (20), foi protocolada no Palácio do Planalto uma carta à presidenta Dilma assinada por mais de 80 organizações nacionais. Na carta, elas pedem a suspensão do leilão das reservas do pré-sal, previsto para o próximo dia 21 de outubro.
As organizações que subscrevem a carta tem consciência da intenção das empresas transnacionais de se apoderarem das reservas do pré-sal. “A entrega para essas empresas fere o princípio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo”, afirmam.
Para elas, o leilão representará um erro estratégico e significará a privatização de parte importante do petróleo brasileiro.
Com estimativa de 12 bilhões de barris de óleo de qualidade comprovada em uma das áreas mais estratégicas já descobertas pela Petrobras, o campo de Libra está situado na Bacia de Santos.
Ainda na carta, as organizações denunciam a espionagem dos Estados Unidos, com o claro interesse de posicionar as empresas estadunidenses em melhores condições para abocanhar as reservas do pré-sal.
A decisão pelo envio da carta à presidenta Dilma foi tomada durante a Plenária Nacional sobre o Petróleo, realizada na semana passada (13), em São Paulo. Além da carta, o conjunto das organizações definiu uma agenda de mobilizações para barrar a entrega do campo de Libra às transnacionais e solicita uma audiência para serem ouvidos pela Presidenta da República.
Leia a carta abaixo.
Brasil, 20 de setembro de 2013
Excelentíssima Senhora
Dilma Vana Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto- Brasília, DF.
Senhora Presidenta,
1. Nós, entidades representativas, centrais sindicais, associações, movimentos sociais, militantes partidários e cidadãos, imbuído da vontade de defender os interesses da soberania da nação brasileira e de nosso povo, sobre os nossos recursos naturais, em especial o petróleo, nos dirigimos a V. Exa., para pedir que SUSPENDA o leilão das reservas do PRÉ-SAL, previsto para o próximo dia 21 de outubro de 2013.
2. Louvamos a iniciativa do então Presidente Lula, que no momento da confirmação da existência das reservas do Pré-sal, retirou 41 blocos do nono leilão, que iria ocorrer naquela ocasião.
Ao fazê-lo, sabemos, o presidente contrariou fortes interesses, pois as empresas petrolíferas transnacionais, já prevendo a existência de grandes reservas na região, tinham a intenção de fechar contratos de 30 anos de duração. Seriam atos jurídicos perfeitos, em condições benéficas para elas e prejudiciais para a sociedade brasileira. A decisão do presidente Lula preservou os interesses nacionais, naquele momento.
3. Posteriormente, foi elaborado um novo marco regulatório para o setor do petróleo, no qual Vossa Excelência jogou importante papel ainda como Ministra. Consideramos que o novo modelo é muito melhor sob a ótica do benefício social que o modelo das concessões adotado e praticado no governo FHC.
4. Estamos convencidos, por outro lado, que o caso do campo de Libra é particular e que o mesmo não pode ser leiloado mesmo através desse modelo de partilha adotado para as áreas do Pré-Sal.
A área de exploração de Libra não é um bloco, no qual a empresa petrolífera irá procurar petróleo. Libra é um reservatório totalmente conhecido, delimitado e estimado em seu potencial de reservas em barris, faltando apenas cubar o petróleo existente com maior precisão. Como já foi dado a público, o campo de Libra possui no mínimo, dez bilhões de barris, uma das maiores descobertas mundiais dos últimos 20 anos.
5. O desafio colocado diante de um volume tão grande de petróleo conhecido é o de como maximizar esse benefício para toda sociedade brasileira. Os legisladores que, junto com membros do Executivo federal, produziram a lei 12.351 de 2010, deram uma brilhante demonstração de lucidez ao redigirem o artigo 12 desta lei. Através deste artigo, a União pode entregar um campo, sem passar por licitação, diretamente para a Petrobras, a qual assinaria um contrato de partilha com a União, com o percentual do “óleo-lucro” a ser remetido para o Fundo Social obtido por definição do governo.
6. Pleiteamos que, no caso das reservas de Libra, o percentual seja bem alto, para beneficiar ao máximo a sociedade. Mas, lembramos isso só pode ser feito se a Petrobras for a empresa contratada pela União.
7. Não basta definir parâmetros no edital e no contrato para maximizar as remessas das empresas “ganhadoras” para o Tesouro e o Fundo Social. Não houve qualquer explicação da ANP, nem de argumentação nem no Edital, que justifique esse leilão do ponto de vista dos interesses do povo.
Ao contrário, a Resolução n. 5 do CNPE que decide sobre o leilão de Libra é um libelo de prepotência e autoritarismo.
Qual a razão para que nem o MME, o CNPE, a ANP ou a EPE, nenhum destes órgãos ter dado acesso ao público de documentos explicando a perspectiva de descobertas, quanto será destinado para o abastecimento brasileiro e quanto deverá ser exportado?
8. Essas dúvidas não foram esclarecidas em audiências públicas que competia à ANP proporcionar para que a sociedade se manifestasse.
Assim, mesmo entre técnicos e especialistas, ninguém pode ter noção de qual a base de cálculo para chegar-se a um preço mínimo previsto de arrecadação de R$ 15 bilhões e qual o percentual de óleo lucro a ser remetido para o Fundo Social.
A ANP evitou receber opiniões mesmo dos setores sociais como sindicatos, associações e universidades, vinculados ao tema da energia e do petróleo. De nossa parte propomos que o Ministério das Minas e Energia organize uma consulta aos técnicos e entidades brasileiras que permita a confrontação de informações no tocante à legislação e ao destino do petróleo do Pré-sal.
9. Todos nós temos consciência da intenção das empresas transnacionais de apoderarem-se das reservas do Pré-sal. A entrega para essas empresas fere o principio da soberania popular e nacional sobre a nossa mais importante riqueza natural que é o petróleo.
10. Os recentes episódios de espionagem patrocinada pelo governo dos Estados Unidos da América no Brasil, que receberam uma posição altaneira e de exigência de explicações por parte de vosso governo, Presidente Dilma, se deram não apenas sobre a vossa pessoa e governo, mas inclusive, como é público e notório, sobre a Petrobras, com o claro interesse de posicionar as empresas estadunidenses em melhores condições para abocanhar as reservas do Pré -sal, numa clara afronta já soberania da nação e num total desrespeito às prerrogativas exclusivas do Estado e governo brasileiros neste terreno.
11. Presidente Dilma, a senhora mesmo afirmou sua disposição de “ouvir as vozes das ruas”.
O povo brasileiro, que há 60 anos protagonizou a campanha “o petróleo é nosso”, que resultou na construção da Petrobras, não pediu e não aceita a entrega de nosso petróleo para as transnacionais que querem pilhar esse recurso vital para o desenvolvimento socioeconômico em benefício da grande maioria do nosso povo.
Afirmamos, de nossa parte, que não descansaremos na luta em defesa do petróleo brasileiro e do Pré-sal nas mãos e em benefício de nosso povo. Se qualquer dúvida houver sobre a opinião popular, a senhora, com presidente da República Federativa do Brasil, tem o poder de convocar um plebiscito para que o povo decida quem deve explorar as riquezas do Pré-sal e qual deve ser o seu destino.
São essas as razões que nos levaram a redigir esta carta à Vossa Exa. reivindicando fortemente que a senhora SUSPENDA A REALIZAÇÃO DO LEILÃO DO PETRÓLEO DO CAMPO DE LIBRA, previsto para o próximo dia 21 de outubro.
Presidenta ouça as mensagens das organizações. Nossa proposta é que a exploração do campo de Libra seja entregue unicamente à PETROBRAS, como permite o artigo 12 da lei 12.351.
Estamos prontos para contribuir com nossas reflexões, experiências, criatividade e capacidade. Queremos ser ouvidos, para evitar que o poder econômico seja ouvido em primeiro lugar.
Ficaríamos honrados de ser recebido em audiência pela Vossa pessoa, presidenta Dilma Rousseff, para discutirmos diretamente as razões que nos levam a esse posicionamento, certos de que é uma solução conforme com os interesses da soberania nacional e do povo brasileiro.
Atenciosamente,
1) Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)
2) Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE)
3) Assembleia Popular
4) Assembleia Popular – Osasco
5) Assembleia Popular – Paraíba
6) Associação Brasileira de ONG’s (ABONG)
7) Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)
8) Associação Comunitária de Construção das Mulheres de Itaquera IV
9) Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
10) Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG)
11) Central de Movimentos Populares (CMP)
12) Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)
13) Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)
14) Central Única dos Trabalhadores (CUT)
15) Clube de Engenharia do Brasil
16) Coletivo Nacional de Juventude Negra – ENEGRECER
17) Coletivo Quilombo
18) Comissão Pastoral da Terra (CPT)
19) Confederação das Mulheres do Brasil (CMB)
20) Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
21) Conselho Indigenista Missionário (CIMI )
22) Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB)
23) Consulta Popular
24) Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS– PR)
25) Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS)
26) Coordenação Nacional de Articulação das Entidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
27) Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN)
28) Entidade Nacional de Estudantes de Biologia (ENEBIO)
29) Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
30) Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo (FTIUESP)
31) Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE)
32) Federação Nacional dos Urbanitários (FNU)
33) Federação Única dos Petroleiros (FUP)
34) Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)
35) Frente de Lutas de Juiz de Fora
36) Grito dos Excluídos
37) Jubileu Sul
38) Juventude Revolução
39) Levante Popular da Juventude
40) Marcha Mundial das Mulheres
41) Movimento Camponês Popular (MCP)
42) Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE)
43) Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
44) Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
45) Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
46) Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP)
47) Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD)
48) Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC)
49) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
50) Movimento Nacional pela Soberania Popular frente a Mineração(MAM)
51) Movimento Reforma Já
52) Pastoral da Juventude Rural (PJR)
53) Pastoral Da Moradia
54) Pastoral Do Migrante
55) Pastoral Fé e Política de Jundiaí
56) Pastoral Fé e Política de Salto – SP
57) Pastoral Fé e Política de Várzea Paulista – SP
58) Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política
59) Plataforma Operária e Camponesa para Energia
60) Rede Ecumênica da Juventude (REJU)
61) Rede Fale
62) Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP -CE)
63) Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP – SP)
64) Sindicato dos Energéticos do Estado de São Paulo (SINERGIA –SP)
65) Sindicato dos Engenheiros (SENGE – PR)
66) Sindicato dos Petroleiros da Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba.
67) Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias (Sindipetro Caxias)
68) Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro MG)
69) Sindicato dos Petroleiros do Ceará e Piauí
70) Sindicato dos Petroleiros do Espirito Santo (Sindipetro ES)
71) Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (SINDIPETRO RJ)
72) Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro NF)
73) Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande (Sindipetro/RG)
74) Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte (SINDIPETRO RN)
75) Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (SINDIPETRO RS)
76) Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (SINDIBEL – MG)
77) Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (SISMUC – PR)
78) Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente ( SINTAEMA – SP)
79) Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná.
80) Sindicato Unificado dos Petroleiros da Bahia (SINDIPETRO BA)
81) Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (SINDIPETRO – SP)
82) Sindicato Unificado dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (SINDIPETRO PRSC)
83) Sindicatos dos Eletricitários de Minas Gerais (SINDIELETRO/MG)
84) Sindicatos dos Eletricitários de Santa Catarina (SINERGIA/SC)
85) Sindicatos dos Eletricitários do Distrito Federal (STIU/DF)
86) União de Negros pela Igualdade (UNEGRO)
87) União Nacional dos Estudantes (UNE)

Distopias da Literatura


http://www.universodosleitores.com/2013/04/top-universo-distopias-da-literatura.html

sábado, 21 de setembro de 2013

Gustavo Ioschpe: devo educar meus filhos para serem éticos?

A educação não deve se basear em culpa nem em desculpas, mas em responsabilidade, ou seja, numa vida ética!
Gustavo Ioschpe: devo educar meus filhos para serem éticos?
Gustavo Ioschpe na Veja

HANNAH ARENDT - “Os maiores males não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão” (Getty Images)

Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saía de casa para a escola numa manhã fria do inverno gaúcho. Chegando à portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou qual. “O moletom amarelo, da Zugos”, respondi. Era mentira. Não estava levando agasalho nenhum, mas estava com pressa, não queria me atrasar.

Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da casa. Gelei. À noite, meu pai chegou em casa de cara amarrada. Ao me ver, tirou da pasta de trabalho o moletom. E me disse: “Eu não me importo que tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família, ninguém mente. Ponto. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi apenas um episódio mais memorável de algo que foi o leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade, honestidade, código de conduta, escala de valores, menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental, em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto deslocado.

Até hoje chego pontualmente aos meus compromissos, e na maioria das vezes fico esperando por interlocutores que se atrasam e nem se desculpam (quinze minutos parece constituir uma “margem de erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador de serviço promete entregar o trabalho em uma data, apenas para ficar exasperado pelo seu atraso, “veja bem”, “imprevistos acontecem” etc. Fico revoltado sempre que pego um táxi em cidade que não conheço e o motorista tenta me roubar. Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole, que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido. Tenho cada vez menos visitado escolas públicas, porque não suporto mais ver professores e diretores tratando alunos como estorvos que devem ser controlados. Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao ler o noticiário e saber que entre os governantes viceja um grupo de imorais que roubam com criatividade e desfaçatez.

Sócrates, via Platão (A República, Livro IX), defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos, pois está em conflito interno, em desarmonia consigo mesmo, perenemente acossado e paralisado por medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrado a alguém (sua própria consciência!) onisciente que o condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas, nesse caso acredito que ele foi excessivamente otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais perto da compreensão da perversidade humana ao notar, nos ensaios reunidos no livro Responsabilidade e Julgamento, que esse desconforto interior do “pecador” pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a sua consciência, que na verdade não ocorre com a frequência desejada por Sócrates. Escreve ela: “Tenho certeza de que os maiores males que conhecemos não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo mesmo de novo, e cuja maldição é não poder esquecer. Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão”. E, para aqueles que cometem o mal em uma escala menor e o confrontam, Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica para os seus atos, algo que justifique o porquê de uma determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas não a ele(a), ou pelo menos não naquele momento em que está cometendo o seu delito.

Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem dramas de consciência, se travassem um diálogo verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado. Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud chamou de superego: seguimos um comportamento moral porque ele nos foi inculcado por nossos pais, e renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno.

Na minha visão, só existem, assim, dois cenários em que é objetivamente melhor ser ético do que não. O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no próximo. Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma sociedade ética em que os desvios de comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é um país sério.

Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo real. E acredito que a ética e a honestidade são valores axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema: será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia, como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais...

Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade, já é causa para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo. Oxalá.

domingo, 15 de setembro de 2013

Perigosa Intolerância


Recentemente, em “Avenida Brasil” – brilhante novela
de João Emanuel Carneiro – era possível acompanhar uma
trama que unia dois homens e uma mulher, e outra que
abordava o casamento entre um homem e três mulheres.
Neste segundo caso, com direito a vestidos nas noivas e
beijos enfileirados lado a lado. Esse fato não provocou o
menor alvoroço na sociedade como causa a manifestação
de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo.
Paradoxalmente, por algum critério de moralismo seletivo,
o tal “beijo gay” ainda continua sendo um tabu.
Sou casado há 17 anos. Uma relação pública abençoada
por toda nossa família. É importante ressaltar que
casamento civil nada tem a ver com nenhuma cerimônia
religiosa. A definição de casamento, segundo o Código
Civil, art. 1511: “O casamento estabelece comunhão plena
de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges”.
Por que, afinal, as pessoas querem se casar? Porque
em nosso país cidadãos que se unem para dividir uma vida
em comum só têm a ampla proteção, em direitos e
deveres, se realizado o casamento civil, estabelecido no
Código Civil. O ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, em
decisão sobre casamento civil, declarou em seu voto: “Com
efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela
qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos
os ‘arranjos’ familiares reconhecidos pela Carta Magna,
não há de ser negada essa via a nenhuma família que por
ela optar, independentemente da orientação sexual dos
partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares
homoafetivos possuem os mesmos núcleos, a dignidade
das pessoas de seus membros e o afeto”.
No último dia 6, a coluna de um jornalista noticiou que
uma conversão de união estável em casamento entre duas
pessoas do mesmo sexo na cidade fluminense de Sapucaia
deve sofrer represália de um grupo religioso que promete
uma passeata contra a união e já roda um abaixo‐assinado
para tentar anular a decisão. É muito perigoso esse nível
de intolerância e interferência na vida dos outros que tem
acontecido no Brasil. Pessoas têm se unido para fazer com
que as regras da sua religião sejam impostas à sociedade,
mesmo aos que não comungam de sua fé.
Reconheço que não vejo a comunidade judaica
organizar‐se para impor suas regras e viabilizar um projeto
de lei que proíba o consumo de carne de porco no país ou
para que tenhamos de respeitar o shabat. Não vejo a
comunidade muçulmana se organizar para criar uma lei
onde todos têm de se ajoelhar para Meca ao meio‐dia. Por
que então algumas pessoas “em nome” de determinadas
religiões tentam impor seu Deus e suas regras a toda uma
sociedade? Não preciso ser negro para lutar contra o
racismo. Não preciso ser judeu para lutar contra o
antissemitismo. E você não precisa ser homossexual para
lutar contra a homofobia.
(Carlos Tufvesson. O Globo)

Internet levará à distopia ou a uma cultura mais forte, diz fundador do WikiLeaks

PROPOSTA MELHOR EXPLICADA( CALMA , FAÇO MAIS TARDE)

ANTES DE TUDO VAMOS SABER O QUE É DISTOPIA

http://literaturaeeu.blogspot.com.br/2013/01/genero-literario-distopia.html

fONTE, FOLHA DE SP



NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO

Ouvir o texto
Entre a prisão domiciliar e o asilo na embaixada do Equador, Julian Assange, 42, está confinado há dois anos e nove meses no Reino Unido.
Mas o fundador e editor-chefe do WikiLeaks (site conhecido por publicar documentos sigilosos) não se lamenta, em entrevista por telefone à Folha. Lista o que tem de importante para fazer, como editar novo vazamento e manter o apoio a Edward Snowden, ex-analista da CIA que revelou a espionagem em curso do governo dos EUA.
Participa nesta quarta, por vídeo, de um debate sobre vigilância digital no Centro Cultural São Paulo. Deve falar de Além de Snowden, dele próprio e dos colegas Glenn Greenwald e Laura Poitras, acrescenta um nome à lista dos exilados da "distopia": Sarah Harrison, jornalista do WikiLeaks que não pode mais voltar ao Reino Unido.
Ele critica Dilma Rousseff por negar o asilo que o WikiLeaks pediu para Snowden. "Sob Lula, o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. Não ter [concedido asilo] sugere que a posição da presidente é fraca." A seguir, leia alguns trechos da entrevista.
Leon Neal - 6.dez.12/AFP
Assange na embaixada do Equador em Londres
Assange na embaixada do Equador em Londres
*
Folha - O livro soa premonitório quando foca o acesso do governo dos EUA às comunicações latino-americanas, através de fibra ótica. Snowden, depois, comprovou o acesso no Brasil.
Julian Assange - Estudo a Agência Nacional de Segurança [dos EUA] há 20 anos. A imagem foi composta de vazamentos, telegramas, inquéritos do Congresso, testemunhos de ex-funcionários. Uma imagem complexa, que precisava ler milhares de coisas. O importante das revelações de Snowden é que alguns documentos tornaram isso claro para as pessoas.
Quando começou sua relação com Snowden? Foi através de Laura Poitras? Ou antes?
Não podemos falar desses contatos, por razões legais. Mas é interessante falar por que não podemos falar. É porque os EUA se engajaram na expansão de seu regime legal para outros países. Estão envolvidos em 67 territórios diferentes, alegando crimes.
Quando é que um governo controla outro país? Quando ele controla o uso da força de coerção. No caso do WikiLeaks, o governo aplica a Lei de Espionagem de 1917 contra jornalistas fora dos EUA.
Chelsea Manning, militar americana acusada de vazar dados sigilosos para o WikiLeaks, acaba de ser absolvida de "ajudar o inimigo", um veredito que o sr. saudou como "vitória tática". Isso também tira parte da ameaça que estava sobre o WikiLeaks?
É uma situação muito séria. Manning foi condenada por cinco acusações de espionagem. A única alegação é de que passou informação para uma organização de mídia, mas mesmo assim foi condenada por espionagem. O governo Obama processou mais casos envolvendo "whistle-blowers" [vazadores] do que todos os anteriores juntos, voltando até o século 19.
Qual é a situação, agora?
A maior investigação jamais feita de um publisher, o WikiLeaks, prossegue nos EUA. Recebi asilo do Equador. Snowden recebeu asilo, com nossa assistência, na Rússia. Laura Poitras, a documentarista de Nova York associada com Snowden e conosco, está em autoexílio na Alemanha. Greenwald, do "Guardian", está em auto-exílio no Brasil e não pode ir com segurança para os EUA.
E uma de nossas jornalistas, Sarah Harrison, que viajou com Snowden a Moscou e auxiliou o processo formal de asilo, agora está em auto-exílio, porque nossos advogados instruíram que seria perigoso voltar ao Reino Unido. É resultado da detenção de David Miranda [namorado brasileiro de Greenwald].
O Ocidente anglo-saxão está em colapso no que concerne ao Estado de Direito. Os institutos do asilo e do exílio estão se tornando importantes novamente. Seria importante ver o Brasil apoiá-los.
Mas o Brasil recusou o pedido de asilo de Snowden.
É muito decepcionante. Mostra a realidade das relações Brasil-EUA, infelizmente. Se você ler os telegramas diplomáticos do WikiLeaks sobre o Brasil, verá que sob Lula o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. É um sinal preocupante sobre a independência brasileira. O Brasil, no que concerne a América Latina, é forte o bastante para fazê-lo [conceder o asilo]. Que não tenha feito sugere que a posição da presidente Dilma é fraca, e ela deveria adotar ações para demonstrar essa força.
Greenwald afirma que o Brasil é o maior alvo dos EUA.
A estatística de um dos programas da NSA mostra que os EUA interceptam mais sobre o Brasil do que sobre qualquer outro país latino-americano, pelo tamanho econômico, número de empresas americanas, contratos de equipamento, petróleo.
Que conselho o sr. daria à presidente Dilma e à Petrobras? Adotarem criptografia, como escreve em "Cypherpunks"?
Sim, eles precisam abraçar criptografia. O problema de comprar equipamento de criptografia para a Petrobras ou a presidente é: você pode confiar no fornecedor? Os EUA são especializados em se infiltrar no chip dos equipamentos criptográficos. O que o país precisa é conseguir o talento brasileiro para suas próprias agências de criptografia, para que desenvolvam tecnologia que seja confiável.
Reprodução
Assange livre', pede grafite no Largo da Batata, em SP
'Assange livre', pede grafite no Largo da Batata, em SP
Greenwald ouviu o mesmo questionamento que o sr., de que não seria jornalista.
Nós previmos isso, assim que saiu a primeira publicação de Glenn, "em 12 horas, espere os ataques, eles vão tentar de tudo". E foi o que fizeram, vasculhando sua personalidade, negócios passados. Os ataques são previsíveis e enfadonhos. Mais revoltante é ver jornalistas americanos tomando parte.
O sr. está em reclusão há quase três anos. Vê alguma brecha nos governos britânico e sueco para que isso termine?
A minha prioridade é que o governo dos EUA abriu investigação contra o WikiLeaks. Na semana passada, entramos com ações na Alemanha e na Suíça. Lenta, mas seguramente, nós estamos saindo da defesa para o ataque.
Como é o seu cotidiano na embaixada? Pode tomar sol? Enfrentou depressão?
Eu refleti sobre essa situação algumas vezes. Mas nós temos publicações históricas chegando, temos uma dezena de processos judiciais, temos nossas responsabilidades em relação a Snowden e protegendo nossas outras pessoas. Isso tudo é tão engajador que, felizmente, não há muito tempo para pensar na minha própria situação.
Tem um filme entrando em cartaz, "O Quinto Poder". Como é a sensação de estar encarcerado e se tornar personagem de Hollywood?
Houve um anterior, "Australia: Underground", um bom filme. Também uma peça sobre Manning, grande peça, do País de Gales. Mas os documentários e filmes hollywoodianos têm um viés. Nesse filme a que você se referiu os atores nos apoiam, mas o roteiro, infelizmente, não.
Tem também o documentário de Poitras [para 2013].
O documentário de Laura será importante, sobre o que está acontecendo com o Ocidente à deriva para um estado de vigilância transnacional. Um dos aspectos é que a NSA e outras não são agências sombrias controlando tudo. É uma distopia pós-moderna em formação onde o sigilo é tão compartimentado e o sistema é tão bizantino que indivíduo nenhum entende. Você tem grandes organizações ao lado de milhares de contratadas. E elas formam um atoleiro, capaz de expandir influência. É difícil achar analogia precisa. É menos xadrez e mais horda mongol.
Seu livro cita uma trajetória alternativa mais positiva.
Há uma tendência importante na direção contrária. O que estamos vendo, com o fracasso da intenção de erguer um ataque à Síria, com as revelações, é o desenvolvimento de um novo corpo político internacional, de um novo consenso, de um novo "demos" [povo como unidade política].
Se a internet, por um lado, ampliou imensamente o poder dos Estados Unidos como Estado, por outro também produziu uma nova sociedade. É um tempo muito interessante, porque ou vamos derivar para essa distopia ou para esta nova cultura internacional fortalecida, que vai fornecer uma força prática e política de equilíbrio.
CYPHERPUNKS - LIBERDADE E O FUTURO DA INTERNET
AUTOR Julian Assange (com Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann)
TRADUÇÃO Cristina Yamagami
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 29 (168 págs.)
...........................................................CONTINUE LENDO

Na ONU, Dilma diz que espionagem viola direitos humanos

 JOANA CUNHA
DE NOVA YORK
GABRIELA MANZINI
ENVIADA ESPECIAL A NOVA YORK
Ouvir o texto
Em tom rígido, a presidente Dilma Rousseff levou nesta terça-feira à 68ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, as críticas do país ao governo americano, acusado de espionar inclusive as comunicações pessoais da presidente brasileira.
Na plenária, Dilma qualificou o programa de inteligência dos EUA de "uma grave violação dos direitos humanos e das liberdades civis; de invasão e captura de informações sigilosas relativas a atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional".
Dilma afirmou que as denúncias causaram "indignação e repúdio" e que foram "ainda mais graves" no Brasil, "pois aparecemos como alvo dessa intrusão". Disse ainda que "governos e sociedades amigos, que buscam consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem normais".
"Elas são inadmissíveis", completou.
Conforme a brasileira, o Brasil "fez saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão".
Há uma semana, a presidente cancelou a visita de Estado que faria ao colega Barack Obama em outubro que vem, em Washington, por "falta de apuração" sobre as denúncias de que a inteligência americana espionou as comunicações pessoais da brasileira, além da Petrobras.
Para ela, "imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o direito internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre elas, sobretudo, entre nações amigas".
Dilma também foi extraordinariamente dura ao rebater frontalmente o argumento americano de que a espionagem visa combater o terrorismo e, portanto, proteger cidadãos não só dos EUA como de todo o mundo.
Para Dilma, o argumento "não se sustenta". "Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país."
"O Brasil, senhor presidente [da Assembleia Geral], sabe proteger-se. Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas", disse.
O Brasil faz o discurso de abertura da reunião anual desde que o embaixador Oswaldo Aranha iniciou a tradição, em 1947.


A revolução das encalhadas

FONTE, FOLHA DE SP

PUBLICIDADE
 
MARCELO NINIO
Ouvir o texto
RESUMO Beneficiada por 30 anos de abertura econômica, geração de chinesas nascidas na década de 1980 se depara com pressão social contrária à profissionalização e ao adiamento do casamento. Família, governo e mídia colam às solteiras o rótulo de "mulheres sobra", que voluntariamente parte delas começa a contrariar.
*
Desde que rompeu um namoro de cinco anos, há poucos meses, a designer gráfica Bai Yu pensa duas vezes antes de visitar os pais.
A distância é uma boa desculpa, já que ela vive em Pequim e a viagem à Mongólia Interior, sua província de origem, é longa e cansativa. Mas o principal motivo que a mantém longe de casa é a pressão familiar. Se não mudar logo de estado civil, alertam os pais, ela corre o risco de perder o "prazo de validade".
Solteira aos 31 anos, pelas normas sociais chinesas Bai já passou faz tempo da idade de casar. O maior pesadelo foi na última Festa da Primavera, como é conhecido o Ano Novo chinês, quando a família se reuniu para a data mais importante do calendário chinês.
"Tem sempre aquela tia perguntando por que ainda não casei e outra com uma lista de candidatos que quer me apresentar", diz Bai.
Mas, para ela, o pior é carregar a marca desonrosa da encalhada, um fardo pesado num país em que igualdade entre os gêneros não acompanhou a vertiginosa transformação dos últimos 30 anos de abertura econômica.
O peso começa na semântica. Em mandarim, a junção de dois caracteres condensa o insulto de que são alvo as solteiras chinesas a partir dos 27 anos: "sheng nu" ("mulheres sobra", numa tradução ao pé da letra).
"O estigma do 'sheng nu' é o retrato perfeito do confronto épico que está sendo travado na sociedade chinesa entre o velho e o novo", diz Joy Chen, autora do best-seller "Não Case Antes dos 30" --como indica o título, uma incitação à rebeldia contra a rotulação.
Por milênios, explica Chen, o único papel da mulher na China era ser mulher e mãe. "Essas jovens têm o peso de 5.000 anos sobre os ombros. Acontece que as chinesas são cada vez mais instruídas e bem informadas e estão rejeitando o papel tradicional".
É o caso de Bai Yu, uma típica filha dos anos 1980. Ela faz parte da primeira geração nascida na esteira da abertura promovida a partir de 1978, mas ainda com um pé nos anos de isolamento e radicalismo da era maoísta.
"Odeio o termo 'sheng nu' e não me vejo como uma encalhada", diz Bai, vestida num elegante conjunto de seda azul turquesa. "Os mais velhos não entendem isso, mas estar solteira também pode uma escolha."
Além do preconceito e da pressão imposta pelos pais, a rebeldia de jovens como Bai enfrenta inimigos poderosos no aparato da autocracia chinesa.
Há alguns anos, a Federação de Mulheres da China, órgão estatal, oficializou o estigma da encalhada em artigos publicados em sua página na internet.
Os títulos beiravam a demonização das solteiras: "Oito formas simples de escapar da armadilhas da solteirona" ou "As solteironas merecem nossa simpatia?" (a resposta era não).
Para escapar do rótulo de encalhada e evitar o risco de virar uma sobra na prateleira do mercado de relacionamentos, o site da federação estabeleceu o limite de 27 anos como a linha vermelha das solteiras. Como a idade legal mínima na China para o casamento de mulheres é de 20 anos, isso deixa uma janela estreita para as jovens chinesas.
FEMINISTAS
A fato de ser da competência de uma agência estatal representar os interesses da mulher é sintomático da ausência de movimentos femininos sérios no país. A opinião é de Wu Qing, 75, incansável ativista de direitos humanos e uma das pioneiras (e solitárias) feministas da China.
Professora aposentada de inglês, Wu foi deputada do Congresso do Povo pelo distrito de Haidian, em Pequim, por 27 anos -até ser proibida de se candidatar ao posto, em 2011. Ela não esconde sua irritação toda vez que ouve o termo "sheng nu".
"É uma enorme discriminação contra a mulher. Por que não usam o mesmo termo para os homens? As pessoas não são sobras. Cada um deveria decidir se e quando quer casar", opina Wu.
Uma das fundadoras, em 1987, do grupo de estudos femininos da Universidade de Estudos Internacionais de Pequim, onde lecionava, ela diz que não é possível separar os direitos das mulheres da restrições às liberdades políticas no país. "Nenhum direito é dado de bandeja. Se querem igualdade, as mulheres têm que lutar por ela", esbraveja a ativista.
As reformas econômicas deram novas chances de ascensão às mulheres chinesas. Segundo um ranking da revista "Hurun", especializada no mundo dos endinheirados, sete das dez empreendedoras mais ricas do mundo são chinesas.
Mas Wu afirma que essas histórias de sucesso se desenrolaram apesar do sistema vigente, e não graças a ele. Homens ganham mais do que mulheres com a mesma qualificação e têm mais chances de serem promovidos. Isso sem falar na hegemonia masculina que prevalece na política.
"Entre os sete membros do Comitê Permanente do Partido Comunista, não há nenhuma mulher. E entre os 25 do Comitê Central só há duas mulheres. Quem vai defender os interesses femininos?", indaga a ex-deputada Wu.
COCHICHO
A pressão social sofrida pelas mulheres solteiras na China vai muito além do discurso oficial e do cochicho dos vizinhos, tendo reflexos na cultura popular.
A televisão chinesa exibe 22 programas de namoro, que atraem enorme audiência e geram inflamados debates. Um dos mais populares deixa claro já no nome que não há tempo a perder: "Se você não é sério, não me amole".
"Esses programas alimentam o estigma da solteira como perdedora e a pressão para que a mulher considere o casamento a única coisa que importa", reclama a jornalista Yuan Yaowen, 30. "E as candidatas são geralmente meninas entre 22 e 25 anos, que nem deveriam estar pensando em casar."
O choque entre tradicional e moderno cria um código de conduta que confunde e incomoda as mulheres da geração 80.
"Por um lado, a sociedade é ultracompetitiva e nos incentiva a valorizar a formação profissional para conseguir um emprego", diz Yuan, que está há mais de dois anos sem namorado. "Por outro, espera-se que larguemos tudo no começo de nossas carreiras para sermos mulheres e mães."
Os números comprovam: a importância do casamento manteve-se imune ao ataque às instituições burguesas promovido pelos comunistas, desde que tomaram o poder em 1949, e à modernização das últimas três décadas.
Segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, 77,4% das mulheres chinesas entre 25 e 29 anos já são casadas. Para efeito de comparação, no Brasil, o índice de casadas para o mesmo grupo é de 32,7%; na França é de 27,3% -ainda que haja casos mais extremos que o chinês: na Índia, só 5,9% das meninas dessa faixa etária são solteiras.
A ansiedade dos pais para que as filhas se casem antes dos 30 é explicada pela preocupação com a imagem mas também pela manifesta preferência dos homens chineses em mulheres na casa dos 20 para o matrimônio.
Para desencalhar as filhas, todo esforço é válido --inclusive a embaraçosa exposição pública. No parque de Zhongshan, bem ao lado da Cidade Proibida, marco histórico de Pequim, centenas de pais se reúnem todo domingo, num verdadeiro mercadão de solteiros.
Mais uma vez, o abismo geracional é gritante. Enquanto os jovens buscam novas amizades e ensaiam flertes em plataformas virtuais, como microblogs e o programa de mensagens por celular WeChat (uma febre na China), os pais preferem se jogar no corpo a corpo.
Os casais se posicionam ao longo de uma das alamedas arborizadas do parque. Com pequenos cartazes escritos à mão, promovem os atributos dos filhas e informam os requisitos que esperam encontrar no genro de seus sonhos.
Cada um faz o que pode. Algumas mães andam pelo parque com o cartaz em punho, lembrando os compradores de ouro do centro de São Paulo. Outras chegam a pendurar no pescoço uma foto da filha ou do filho --há raros casos de rapazes anunciados, mas os solteiros não são rotulados como "encalhados". A maioria está lá sem o conhecimento dos filhos.
"Tian Xiaogi, nascida em 1986. Pós-graduada em ciência da alimentação na Nova Zelândia, 1,69 m de altura. Procura: rapaz entre 27 e 35 anos, pelo menos 1,70 m de altura, emprego estável, apartamento próprio."
Diante do cartaz, um pai com ar tímido espera possíveis interessados. O casal se dividiu. Enquanto ele marcava o ponto, a mulher caminhava pela alameda de anúncios, analisando currículos e trocando fotos com outros pais.
"Minha filha queria ficar na Austrália para fazer um doutorado, mas nós dissemos que era hora de ela voltar", conta Tian Li. "Ela está com 27 anos, é uma idade crítica. Depois dos 30 é muito difícil achar um marido."
O fator econômico também pesa. Pelas convenções chinesas, um homem precisa ter um imóvel para casar --como bem destacava o cartaz dos Tian. Segundo uma pesquisa da consultoria chinesa Horizon, 3/4 das mulheres consideram a posse da casa própria uma prioridade no candidato a marido.
O foco na riqueza a qualquer custo é uma marca dos anos de modernização na China que revolta a feminista Wu Qing. "A mídia oficial não para de promover a riqueza e o poder como metas", critica Wu. O casamento, por extensão, acaba se tornando um meio para alcançá-las.
Sabendo disso, muitos homens começam a financiar o apartamento para sua vida de casado bem antes de encontrar a noiva. O fenômeno é tão comum que impactou o mercado imobiliário.
Segundo um estudo elaborado por três economistas, entre eles Yin Liu, da conceituada universidade Tsinghua, em Pequim, a competição por noivas ajuda a explicar a disparada dos preços no mercado imobiliário chinês.
O resultado é que os preços dos imóveis são mais altos nas cidades onde a população masculina supera em muito a porção feminina. A corrida é tão acirrada que gerou um termo depreciativo para a oferta de homens que não podem começar a vida conjugal com a casa própria: "casamentos nus".
DEMOGRAFIA
A julgar pelos números da demografia chinesa, não deveria ser problema para as mulheres achar um noivo. Na faixa entre 20 e 30 anos, há 20 milhões de homens a mais que mulheres, resultado da prática de abortos seletivos condicionada pela preferência de muitos pais por meninos. Em 2012, nasceram 118 meninos para cada 100 meninas.
Significa que o estigma das encalhadas é apenas um componente de um problema maior. Uma verdadeira crise de solteiros, conforme indicou num estudo recente um dos maiores sites de notícias da China, o Sohu.com.
Intitulado "Mulheres e Homens em Perigo", o estudo gerou acaloradas discussões no popular microblog Weibo, a versão chinesa do Twitter. Apesar das divergências, quase todos os usuários culparam a política de filho único pela distorção.
"A política de filho único está em vigor há 30 anos. Muitos moradores das áreas rurais optaram por abortos quando conceberam meninas. Agora seus filhos não conseguem achar esposas. Isso é o que dá quando se matam bebês!", disparou a internauta identificada como Jingxuan 57203.
O desequilíbrio tende a aumentar. De acordo com algumas projeções, em 2020 haverá 30 milhões de chineses a mais que chinesas. Para um governo obcecado com o mantra da "sociedade harmoniosa", é um problema e tanto.
ANTES SÓ
"Acho que a campanha estatal contra os solteiros se dá em grande parte pela preocupação em evitar a instabilidade social", especula Wang Jin, 30, que trabalha numa firma de importação de vinhos. Assim como outras solteiras de sua idade, ela reconhece que é exigente e prefere ficar só que mal acompanhada. "Os homens chineses são imaturos. Acham que vão casar para ter alguém para servi-los", reclama. "Melhor esperar."
O nível de instrução crescente das novas gerações de mulheres chinesas provocou um obstáculo adicional. Além de tornar as mulheres mais independentes e exigentes, a maior qualificação reduziu suas chances no mercado dos casamentos, devido à convenção chinesa de que homens devem ganhar mais que as mulheres.
"Os homens chineses ficam intimidados com mulheres com poder econômico", diz Wei Wang, 25, que acaba de voltar à China depois de cinco anos na Austrália. Se dependesse dela, Wei teria ficado em Brisbane, onde se formou em finanças e marketing.
Só voltou por insistência dos pais. Mas não tem nenhuma intenção de ceder à pressão para que se case antes dos 30. "Metade das minhas colegas de escola estão casadas e já tem filho", conta Wei. Em muitos casos, a pressa em casar acelera a frustração. "Muitas já estão falando em divórcio. Não quero cometer o mesmo erro."
No parque Zhongshan, alguns pais admitem, com indisfarçada tristeza, que o investimento que fizeram na educação das filhas pode ser um tiro pela culatra.
"Estou pensando em tirar do anúncio que minha filha tem pós-graduação em psicologia", diz Aiu Aiguo, diante do cartaz que anuncia o currículo. "Uma moça qualificada demais assusta os homens".
Além da pós-graduação, o cartaz exibido por Aiu informa que sua filha mede 1,70 m e nasceu em 1988, o que ainda a mantém dois anos distante de se enquadrar no estigma de encalhada. Para ele, porém, aos 25 ela já está "velha".
"Tenho medo dos efeitos físicos e psicológicos que ela sofrerá, caso demore a se casar", afirma o pai, sentado numa cadeira dobrável ao pé de uma árvore. "Se continuar solteira, sua personalidade vai se estragar", teme Aiu.
PAQUERA
Para Joy Chen, a autora de "Não Case Antes dos 30", um dos problemas é a falta de uma "cultura da paquera" na China. "Muitas solteiras não têm exposição a homens em suas vidas. Elas vão para o trabalho e ficam o tempo todo com as amigas. Muitas das solteiras com quem conversei disseram que mal conhecem homens", diz Chen.
As moças ouvidas pela Folha concordam. A grande chance de encontrar um namorado espontaneamente é durante os estudos universitários. Depois de formadas, as oportunidades mínguam. Os homens são tímidos, e a maioria das mulheres, mesmo as de mentalidade mais aberta, não acha respeitável tomar a iniciativa.
"O choque entre tradicional e moderno não ocorre só entre gerações mas também dentro de nós", reconhece a esbelta professora de ioga de 29 anos que pede para ser chamada de Alice.
Os encontros geralmente se dão por meio de indicação de amigos ou parentes. A ação familiar é determinante. "Tenho encontro marcado com um rapaz indicado pelos meus pais. Insistiram tanto que decidi dar uma chance, para pararem de me ligar", conta ela.
Outra opção popular são os sites de casamento. O mais popular deles, Jiayuan.com (belo destino, em mandarim), tem 93 milhões de usuários registrados e escritórios em várias cidades da China. Sua fundadora, Gong Haiyan, decidiu criar seu próprio serviço on-line de relacionamentos após fracassar na busca por um marido na internet.
Passados dez anos, sua empresa é a maior casamenteira on-line da China e está cotada na Nasdaq, a bolsa eletrônica de Nova York. Porém o que mais enche de orgulho a fundadora Gong foi ter achado o marido dos sonhos pelo site.
Segundo Li Zhongxiao, vice-presidente de relações públicas do Jiayuan.com, todo dia entre 6.000 e 7.000 usuários mudam seu status de "solteiro(a)" para "apaixonado(a)" ou "encontrei o que procurava".
"Mulheres modernas têm educação superior, são independentes economicamente e na mentalidade, por isso suas preferências são muito diferentes do que no passado", diz Li. Ele afirma que os três principais requisitos das usuárias em relação ao namorado que procuram são "carreira bem-sucedida, maturidade e valores comuns".
O sonho, porém, é minimizado por um número crescente de mulheres -aquelas que se negam a aceitar o estigma de encalhadas.
No ano passado, essa geração de mulheres independentes ganhou um aliado com a produção de uma série de TV que redefiniu o rótulo tão incômodo.
A virada de mesa foi possível com um truque linguístico. "Sheng" -o termo que, no começo deste texto, foi definido como "sobra"- também pode significar "vitoriosa", uma vez que, em mandarim, palavras homófonas ganham sentido diferente segundo o ideograma escolhido na escrita.
O seriado "O Preço de uma Mulher Vitoriosa" conta a saga de uma mulher solteira que constrói uma carreira de sucesso apesar dos tropeços na vida amorosa. Para muitas solteiras, a ficção imita a vida.
"Como é que vou me sentir perdedora se faço o que quero e tenho o poder de decidir quando e com quem casar?", questiona a jornalista Yuan Yaowen. "Quero mais é aproveitar a vida de solteira enquanto posso."
MARCELO NINIO, 47, é correspondente da Folha em Pequim.