quinta-feira, 4 de julho de 2013

UNESP, 2008

http://cpv.com.br/vestibulares/unesp/2008/semestre2/provas/prova_unesp_2008_sem2_ling_port.pdf

INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS. VESTIBULAR PELOTAS; VALE A PENA FAZER E ME MANDAR.

http://ces.ufpel.edu.br/vestibular/pave/download/2011_2_prova.pdf

Jovens são mais críticos ao poder público



Sociedade

Data Popular

Pesquisa mostra que faixa entre 18 e 30 anos deu notas piores aos governos em comparação com as pessoas entre 45 e 60 anos

por Redação — publicado 28/06/2013 17:26, última modificação 29/06/2013 14:56

Fernando Frazão/ABr

eleitorado
33% do eleitorado é composto pela faixa entre 18 e 30 anos
A pesquisa Brasil em Perspectiva 2013, realizada pelo Instituto Data Popular, mostrou que osgerações responsáveis pela organização das manifestações em diversas cidades do Brasil são mais rígidas ao avaliar o poder público em comparação com as gerações dos protestos pelas Diretas Já, no início dos anos 1980.
Na participação política, os mais velhos avaliaram pior os serviços públicos. Em sua visão, todas as áreas questionadas (saúde, educação, segurança e transporte) receberam menores notas do que no entendimento dos mais jovens. Entretanto, na avaliação do poder público, eles foram mais benevolentes, enquanto os mais jovens se mostraram mais críticos e deram menores notas para as três esferas do Executivo – municipal, estadual e federal (confira os números no gráfico).
Segundo o Data Popular, o nível de instrução das gerações mais novas também é maior. Em média, os entrevistados entre 18 e 30 anos registraram9,55 anos de estudo, contra os 5,41 anos na faixa entre 45 e 60 anos. Uma diferença de 77%.
A porcentagem que completou o ensino médio na parcela mais velha analisada pela pesquisa é de 14%, contra 39% dos mais jovens. E a quantidade de pessoas sem instrução entre 45 e 60 anos é cinco vezes maior que a dos entre 18 e 30 anos.
Segundo a pesquisa, a gama de pessoas entre 18 e 30 anos representa 33% do eleitorado nacional. Com melhores níveis educacionais, eles ocupam áreas nos postos de mercado de trabalho que exigem menos esforço físico e mais raciocínio lógico, particularmente no comércio e em escritórios. Em contrapartida, o perfil dos trabalhadores da faixa mais velha se concentra em profissões na área doméstica em geral, na construção civil e na indústria.
O Data Popular entrevistou 1.502 pessoas em 100 cidades do País.

“Os assassinatos continuam. A gente finge não ver”


Sociedade

História

“Os assassinatos continuam. A gente finge não ver”

Em 'Holocausto do Brasil', jornalista reconta horror de centro manicominal em Barbacena, onde morreram 60 mil
por Marsílea Gombata — publicado 04/07/2013 08:18, última modificação 04/07/2013 08:20

Divulgação
Vidas foram ceifadas na Colônia, lembra autora
Um campo de concentração a céu aberto. Um genocídio de 60 mil pessoas. No maior hospício do país, 7 em cada 10 pacientes não tinham problemas mentais.
As descrições de um mundo pavoroso seriam perfeitas para a ficção, não fosse um detalhe: elas fazem parte da história do Brasil. Em Barbacena (MG), a chamada Colônia, maior centro psiquiátrico do Brasil inaugurada e 1903, foi palco de atrocidades dignas de um campo de concentração nazista onde internos morriam de frio, de fome ou por doenças.
As violações, cometidas sistematicamente com o aval do Estado, são narrada no livro Holocausto Brasileiro, livro reportagem da jornalista Daniela Arbex. Lançada neste mês, a obra baseada na exímia pesquisa da repórter especial do Tribuna de Minas mostra que a maioria dos pacientes do hospício era internada à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental, entre eles epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas ou mesmo pessoas que questionavam o status quoe passavam a ser considerados um incômodo para a sociedade – caso de uma jovem que contestou por que recebia de seu pai menos que seus irmãos e morreu na Colônia 30 anos depois.
A Colônia abrigava ainda meninas grávidas e violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, pessoas tímidas e 33 crianças que tiveram parte de suas vidas roubadas durante o período em que ficaram internadas.
“A culpa é coletiva. As atrocidades não eram questionadas naquela época porque no início do século 20 existia um movimento eugenista de limpeza social muito aceito em todo o Brasil”, afirma a autora em entrevista a CartaCapital. “Ele, na verdade, existe até hoje. A sociedade ainda aceita que existam vidas valendo menos. Chacinas, que vão desde o Carandiru até a da Chatuba, no Rio, mostram que temos novos nomes para velhas formas de extermínio. Os assassinatos em massa continuam acontecendo e a gente continua fingindo que não vê.”
O livro traz um impactante relato do cotidiano vivido pelos pacientes: muitos comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre o capim, eram espancados ou violados. Nas noites geladas da cidade na região da Serra da Mantiqueira, eram deixados ao relento nus. Quando grávidas, as pacientes conseguiam se proteger passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados. Ao menos 30 crianças foram levadas de suas mães sem autorização.
Com ajuda dos registros feitos no início dos anos 1960 pelo fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, Daniela relembra um capítulo sem perdão da história, marcado pelas mortes também por eletrochoques, que de tantos e tão fortes chegavam a sobrecarregar a derrubar a rede do município mineiro.
Mas o que justificaria as tantas mortes, que chegavam a 16 por dia no período de maior lotação do centro psiquiátrico? Os corpos, convém lembrar, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes foram vendidos para 17 faculdades de medicina do País. “A partir de 1960, a disponibilidade de cadáveres acabou alimentando uma macabra indústria de venda de corpos”, lembra a autora à página 76. "Os corpos dos transformados em indigentes foram negociados por cerca de 50 cruzeiros cada um. O valor atualizado, corrigido pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, é equivalente a 200 reais por peça. (...) Em uma década, a venda de cadáveres atingiu quase 600 mil reais, fora o valor faturado com o comércio de ossos e órgãos."
Confira os principais trechos da entrevista com a autora:
CartaCapital - Como se deu seu contato com a Colônia de Barbacena?
Daniela Arbex Trabalho em matérias que têm denúncia e defesa dos direitos humanos, área pela qual sempre me interessei. Em 2009, entrevistei o psiquiatra e então vereador José Laerte, que hoje é secretário de Saúde de Juiz de Fora. Ele me mostrou um livro com imagens do local publicado em 2008 pelo governo do estado. Eu nunca tinha ouvido falar sobre o lugar, mas aquilo me chocou muito. As imagens remetiam a um campo de concentração. Resolvi ir atrás dessa história e mostrar quem eram seus sobreviventes.
Quando comecei a investigar o assunto, meu filho, Diego, tinha quatro meses. Passei dois anos levantando o que podia e, em 2011, quando as imagens do Luiz Alfredo completaram 50 anos, comecei a buscar quem ainda era vivo. A Colônia, hoje Centro Hospitalar de Barbacena, fica a 95 km daqui (de Belo Horizonte). No final da apuração, passei dois meses indo todos os dias para lá, onde eu chegava às 7 horas. Às 13 horas eu entrava no jornal e trabalhava até tarde. No finzinho mesmo, eu escrevia de meia-noite até 5 horas. Uma loucura!
CC - Qual a história do manicômio?
DA - O hospital foi criado em 1903 pelo governo do estado para atender os alienados, doentes mentais. Documentos de 1914 mostram superlotação, e os diretores reclamavam da falta de condições para receber os pacientes, que chegavam em vagões de trem lotados. Então, desde o início não conseguiu cumprir a função de atender e ressocializar os pacientes. Sete em cada dez não sofriam de doença mental. Podemos dizer que os pacientes eram, então, quem incomodasse aqueles com mais poder. Tudo que fugia às normas sociais se encaixava na Colônia, fossem alcoolistas, negros, pobres ou militantes políticos. Aquilo se tornou mesmo um local de segregação.
De 1903 até 1980 passaram 10 diretores por lá, alguns médicos, outros apenas administradores. Não posso dizer que todos se omitiram, mas apesar de terem comunicado o governo de Minas sobre as condições locais, as coisas não mudaram.
Quem ficou trabalhando lá, aceitou tudo aquilo. Mas houve pessoas que não queriam se desumanizar, que hoje poderiam estar aposentadas pelo estado, mas abriram mão da estabilidade porque não concordavam com os abusos. E, embora ninguém tenha apertado o gatilho, todos que trabalharam lá ou mesmo os políticos informados sobre as condições carregavam as mortes nas costas. Então, a culpa é coletiva.
CC - Pagava-se pela internação?
DA - Existia um setor das pensionistas. Quem podia pagar era a minoria, que ficava em condições um pouco melhores. Quem não podia pagar, como a maioria, era uma multidão de indigentes, revoltados sociais.
CC - Quem autorizava as internações? Médicos ou delegados?
DA -  Não havia médico para autorizar. Muitas das internações eram feitas por canetas de delegados. A menina que perdia a virgindade antes do casamento, o pai mandava para lá. Até porque os médicos, ate a década de 50, eram raridades no local. Os funcionários eram contratado como guardas e aquilo era o suficiente. Se uma cozinheira podia ser transformada em enfermeira, por que contratar outros com maior qualificação? Não havia cuidado médico, e a Colônia era um depósito de gente.


CC - Na sua opinião, a que se deve o fato de as violações não terem sido questionadas ou combatidas. Era algo natural chegar a haver 16 mortos por dia no local?
DA - Não era questionado porque naquela época, no inicio século 20, existia uma teoria eugenista de limpeza social super aceita no Brasil todo. Aliás, ela existe até hoje. Ainda aceitamos que algumas vidas valem menos. E, por não serem consideradas gente, tirar aquelas pessoas da vida social não impactava, era amplamente aceito para se limpar a sociedade da escória. Essas pessoas eram a escória social. Ética não existia, por isso esses abusos se sustentaram por tanto tempo. E as pessoas que permaneciam lá foram se desumanizando.
CC - O cenário descrito por você lembra o dos presídios de hoje. Você concorda com a comparação?
DA - A sociedade ainda aceita que existam vidas que valem menos. Então, se um bandido morre, é um a menos ou merece pena de morte. É exatamente a mesma coisa. Todas essas chacinas, desde o Carandiru à Chatuba, no Rio, são novos nomes para velhas formas de extermínio. Os assassinatos em massa continuam acontecendo, e a gente continua fingindo que não vê.
Vemos o que aconteceu na Colônia e viramos a página, como fez a sociedade ao ler sobre o assunto na edição da revista O Cruzeiro de 1961. Essa cultura eugenista permanece até hoje. E o discurso da sociedade de hoje é de muito ódio e vingança.
CC - Quais as maiores atrocidades que os internos sofreram, na sua opinião?
DA - Tudo o que se passou por lá foi indigno. As pessoas entravam e tinham a humanidade confiscada. Imagina não sofrer nenhuma doença mental e ser colocado colocado em um lugar daquele, passar fome, frio, tomar eletrochoque, ficar sempre sem roupa e dormir no capim para economizar espaço nos pavilhões? Quer coisa mais indigna do que isso? Aquilo era muito desumano e cruel, um verdadeiro campo de concentração: as pessoas eram mandadas para lá para morrer, chegavam em vagões de cargas como os judeus da Segunda Guerra. Uma barbárie que remete ao Holocausto. Não perdemos milhares de judeus, mas perdemos 60 mil brasileiros.
CC - Como vivem hoje os 200 sobreviventes do lugar?
DA - É um grau muito alto de sequela. Há pessoas que ficaram ali por 50 anos e saíram para uma sociedade que mal conheciam depois de tanto tempo confinadas. Como um paciente que, depois de ter saído, perguntou a que horas as luzes da cidade se apagavam. Imagina uma pessoa descobrir já adulto o que é um interruptor de luz.
CC - De que as pessoas morriam?
DA - Morriam de fome, pneumonia, diarreia. Na época, inclusive, falava-se que diarreia era doença de doido. Alguns morriam de frio também. Muitos dormiam empilhados para se aquecer à noite. De manhã, alguns acordavam mortos por asfixia ou por frio.
CC - Há, ainda hoje, algum manicômio tão cruel quanto o Colônia?
DA -  A psiquiatria brasileira evoluiu. A reforma psiquiátrica brasileira deu um salto na humanização do atendimento. Sem dúvida, é um ganho, mas os desafios ainda são muito grandes. Com os debates de hoje, como o da internação compulsória, no entanto, a gente corre o risco de retroceder. Aceitar essa institucionalização contrária à vontade do paciente não seria a reedição dos abusos sobre forma de política pública? A sociedade precisa refletir sobre esses modelos de atendimento que existem até a hoje e como podermos tomar um caminho inverso ao da Colônia. Que, em vez de segregação, a gente ofereça integração, acolhimento real.
Hoje, o que foi o hospital onde foi o Colônia tem cerca de 700 pessoas. É uma instituição que se humanizou, mas é inchada e com resquícios do passado. E minicolônias existem até hoje. Em janeiro de 2013 tivemos em Juiz de Fora o hospital psiquiátrico São Domingos, fechado por más condições: as pessoas foram encontradas nuas, com alimentação de baixíssimas qualidade, colchonetes rasgados, condições muito parecidas às descritas no livro.
As situações de violações de dignidade ainda se repetem, seja nos hospitais públicos, nos presídios ou nos centros para jovens transgressores.

Celio Bermann: Investir em biomassa e no combate ao desperdício


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publicado em 24 de janeiro de 2013 às 11:04
Quinta, 24 de janeiro de 2013
“Belo Monte é um absurdo e termelétricas são desnecessárias”
O setor de energia ganhou as primeiras páginas dos jornais no início de 2013 com o baixo nível dos reservatórios e a possibilidade de manter as termelétricas ligadas ao longo de todo o ano para compensar a falta de chuvas. Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, é um crítico severo dessa solução. Um dos mais respeitados especialistas na área energética do país, trabalhou como assessor da então Ministra Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2004. “Saí quando verifiquei que o Ministério de Minas e Energia estava fazendo o contrário do que eu pensava que seria possível”, diz ele. Severo crítico da hidrelétrica de Belo Monte, fez parte do painel de especialistas que concluíram que o projeto da usina não deveria ter seguimento.
A entrevista é de Daniele Bragança, publicada por O Eco e reproduzida por Amazônia.org.br, 23-01-2013,reproduzida no IHU Online
Eis a entrevista.


O Ministério de Minas e Energia estuda usar as termelétricas de forma permanente, para poupar os reservatórios. O que o senhor acha disso?
Utilizar termelétricas para complementar o sistema hidrelétrico é uma solução equivocada. Em primeiro lugar, estamos falando de um sistema elétrico que prioriza a geração de energia a partir da água, o que o torna dependente do regime hidrológico.
É preciso com urgência diversificar a matriz de eletricidade do Brasil, utilizando fontes que, ao mesmo tempo, possam complementar o regime da falta de água e que sejam viáveis do ponto de vista econômico e ambiental.
Por quê?


Primeiro, porque a termoeletricidade pode custar 4 vezes mais do que a hidroeletricidade. Além disso, utiliza três fontes fósseis derivados de petróleo: óleo combustível, carvão mineral e gás natural. O principal problema na utilização das fontes fósseis, ao meu entender, não são as emissões de gases de efeito estufa. No caso brasileiro, o problema maior das termoelétricas é serem emissoras de hidrocarbonetos, de dióxido de nitrogênio, de dióxido de enxofre, de material particulado e de fumaça.


Quais são as consequências?
O impacto ambiental dessas fontes é sobre a saúde pública. A vizinhança dessas usinas fica suscetível a doenças crônicas causadas por esse coquetel de poluição.
Há termelétricas que utilizam água na sua refrigeração. Isso causa impactos negativos?


Em geral, essas usinas utilizam água dos rios próximos. Existem regiões no Brasil em que o comprometimento hídrico impede a construção de termelétricas. No estado de São Paulo, no rio Piracicaba, por exemplo, não foi possível construir usinas a gás natural porque elas demandavam um volume de água além das possibilidades da bacia deste rio.


Qual é o custo das termelétricas?
A energia das termelétricas pode custar até 4 vezes mais do que a hidroeletricidade. Ao mesmo tempo, com a Medida Provisória 579, o governo quer reduzir a tarifa de energia usando recursos do Tesouro Nacional. É um absurdo, pois esta medida afeta indiretamente o bolso dos consumidores. Somos nós que vamos pagar por essa redução da tarifa.
É uma forma fictícia de fazer algo desejável: reduzir a tarifa. Temos uma das tarifas de energia elétrica mais cara do mundo, algo absurdo porque nossa matriz com ênfase em hidrelétricas produz energia que deveria ser barata.


E quais seriam essas alternativas?
São três: a conservação da energia, o uso da biomassa e da energia eólica. A primeira alternativa é pensar na conservação e no uso eficiente da energia. É preciso uma ampla campanha nas mídias para ensinar à população a reduzir o desperdício. O governo está fazendo o contrário, quando diz que não há risco de racionamento.
Quando o governo prefere a termoeletricidade como base, está dizendo: vamos usar a termoeletricidade de forma que não se tenha riscos durante o período em que a hidrologia é desfavorável, que é o período entre junho e outubro. Essa solução, como já pontuei antes, é completamente inadequada.
A campanha por redução do consumo de energia deve abranger também grandes consumidores industriais. Estou falando de 6 setores: cimento, siderurgia, alumínio, química, ferro-liga e papel/celulose. Em conjunto, eles respondem pelo consumo de 30% da energia no Brasil. Não estou falando em fechar essas fábricas, mas que um esforço desses setores na redução da sua escala de produção aumentaria a disponibilidade de energia para a economia e para a população. É uma questão de interesse público.
E a segunda alternativa?
A segunda alternativa é a utilização do potencial do setor sucroalcooleiro como fonte de complementação de energia. O Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP recentemente constatou que, a partir do bagaço da cana de açúcar, resíduo da produção sucroalcooleira, pode-se produzir 10 mil megawatts excedentes, o que equivale a mais de 2 vezes a energia média produzida por Belo Monte.
Essa energia pode chegar ao sistema elétrico em 3 ou 4 meses e a custo baixo.

Hoje, o bagaço é utilizado para complementar a própria necessidade de eletricidade das usinas. Mas elas também poderiam comercializar o excedente que é dessa ordem que eu falei, de 10 mil megawatts. Elas já comercializam 1.230 megawatts de energia elétrica excedente.
Por que essa energia não está disponível?


Uma resolução da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) determina que cabe à usina o investimento para construir as linhas de transmissão de energia que levem esse excedente da usina até uma subestação ou uma rede de distribuição de energia elétrica. Nosso levantamento, feito para algumas regiões, mostra que a distância entre as usinas e a rede varia de 10 a 30 km, percurso relativamente curto.
E o que poderia ser feito para viabilizar estas pequenas linhas?


O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) poderia financiar a construção dessas linhas. Com crédito, esse excedente poderia estar disponível já na próxima safra, em abril de 2013. Com investimento na troca de equipamentos de cogeração – caldeiras de maior pressão – esses 10 mil megawatts potenciais da biomassa podem dobrar para 20 mil megawatts.
De novo, em nome do interesse público, o BNDES poderia ser o financiador.

Infelizmente, o BNDES está usando 22,5 bilhões de reais para financiar a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Quando ficar pronta, em 2019, ela acrescentará apenas 4.400 megawatts médios ao sistema elétrico.
Veja o absurdo, a política do governo prioriza megaobras de hidrelétricas, quando existem soluções de energia complementar às hidros, que funcionam justamente na época das secas. A safra da cana de açúcar ocorre no período de menos chuvas, que vai de maio até novembro.
Belo Monte deveria ser descartado, então?


Belo Monte deveria ser descartada. O custo é enorme: 30 bilhões de reais para uma capacidade instalada de 11.233 megawatts. Essa capacidade estará disponível durante 3 ou 4 meses por ano, no período das chuvas. No mês de outubro, por causa do regime hidrológico, a capacidade de geração ficará reduzida a 1mil megawatts, ou seja, 10 % da capacidade instalada.
A média ao longo do ano é de 4400 megawatts. A contribuição do rio Xingu e da Usina de Belo Monte é uma fração do que está sendo alegado para justificar a construção da usina. Eu afirmo, Belo Monte atende ao interesse das empreiteiras e empresas ligadas à sua construção, e não à população e a economia brasileira.
E a terceira alternativa?
A terceira alternativa é a energia eólica. No nordeste, o regime de ventos é maior justamente na época da estiagem. Os reservatórios do rio São Francisco podem acumular água durante o período mais crítico, enquanto a energia eólica abasteceria a região nordeste. Ouve-se a alegação de que a biomassa, a eólica, são fontes intermitentes. Ora, a hidroeletricidade também é intermitente, pois depende do regime hidrológico.
E quanto a eficiência, qual é o percentual de perda nas linhas de transmissão?
Conforme dados oficiais, o sistema de transmissão e distribuição nacional tem uma perda técnica (excluindo os gatos) da ordem de 15,4%. É impossível eliminar todas as perdas, mas cortar 5 pontos percentuais é tecnologicamente viável e traz grandes benefícios econômicos. Basta investir na manutenção do sistema: isolar melhor os fios de transmissão e trocar transformadores que já esgotaram sua vida útil.
O número crescente de apagões é uma evidência de má manutenção. Por exemplo, parafusos velhos levam à queda de torres de transmissão.

Dessa forma, a perda poderia ser reduzida para cerca de 10% e acrescentariam ao sistema elétrico o equivalente a uma usina hidrelétrica de 6.100 megawatts – 150% mais da média de Belo Monte – de acordo com cálculo recente que fiz com estudantes da Pós-Graduação em Energia do IEE.
Isso poderia ser alcançado a um terço do custo de produzir um novo megawatt.

A Aneel é leniente em relação às perdas. É fundamental que ela defina, em nome do interesse público, metas de redução de perdas técnicas nas empresas de distribuição e concessionárias de distribuição de energia. O alcance dessas metas deveria ser associado à redução tarifária.
É caro construir novas linhas de transmissão?


Sim, principalmente para levar energia distante dos centros de consumo, como é o caso dos projetos de hidrelétricas que estão sendo construídas na Amazônia.
E a energia nuclear? O Brasil deve pensar em investir nesta alternativa de energia?
A energia nuclear é uma fonte cara, desnecessária e com um risco de ocorrência de acidentes severos. Além das usinas de Angra 1 e 2, estamos construindo Angra 3. Todas elas numa região que é imprópria para a implantação de usinas nucleares. Angra dos Reis é uma região suscetível a grandes chuvas no verão. Não é impensável a possibilidade que uma chuva mais severa derrube as linhas que transmitem energia elétrica do sistema até as usinas.
O resultado da interrupção de fornecimento de energia elétrica pode fazer as bombas de refrigeração de água dos reatores pararem, provocando o superaquecimento e a explosão do reator, que foi o que aconteceu, em fevereiro de 2011, nos 4 reatores de Fukushima, no Japão. Com um agravante: a única via de escoamento da população é a Rio-Santos, absolutamente incapaz de evacuar toda a população local. A empresa Eletronuclear considera, hoje, uma população da ordem de 200 mil habitantes. Essa população dobra na época das férias, que coincide com a época das chuvas.
Leia também:
Celio Bermann: A energia hidrelétrica não é limpa, nem barata

Niemeyer: “Tanto faz ser feliz ou infeliz, a vida é um sopro, um minuto”

http://www.viomundo.com.br/entrevistas/niemeyer-tanto-faz-ser-feliz-ou-infeliz-a-vida-e-um-sopro-um-minuto.html
publicado em 6 de dezembro de 2012 às 13:27
 trechos do texto de Silvio Cioffi, que recolheu depoimentos de Oscar Niemeyer, na Folha
Construção de Brasília
Quando cheguei lá no fim do mundo, a terra era agreste, hostil, não tinha árvore, não tinha nada. Na época, o divertimento era a Cidade Livre. Tomávamos caipirinha, ríamos. Todos trabalhando juntos — operários, engenheiros, arquitetos –, dava a sensação de que o mundo seria melhor. Quando inaugurou, veio a muralha separando pobres e ricos — e Brasília passou a ser uma cidade como as outras. Por quatro anos andamos na estrada que estavam construindo. Pegávamos o carro a qualquer hora. Tive um desastre, fiquei um mês machucado e quase morri. O avião que ia para Brasília levava três horas. Na primeira viagem do Juscelino, fui junto. Lembro de sentar ao lado do Lott [general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra de Kubitschek]. Ele disse: “Dr. Niemeyer, o senhor vai projetar prédios bem clássicos para nós, não é?”. Eu respondi: “General, o senhor, na guerra, prefere arma clássica ou moderna?”.
Beleza e praticidade
Acho que o prédio deve ser correto. Mas para chegar a ser uma obra de arte, ele tem de ser bonito. E, para ser bonito, tem de ser diferente, porque arte está ligada à invenção. Agora, às vezes querem criticar e dizem: “É, é bonito, mas não funciona bem”. A gente sabe que é a mediocridade querendo se defender. Hoje a gente não pode dizer que o Memorial [da América Latina] é ruim. Dizem: “A praça podia ter árvores”. É por sacanagem, porque sabem que na França, na Itália tem praças sem nada. O povo não se informa e se deixa levar pela ideia de que parece estacionamento. Se fosse assim, praças da Europa também poderiam ser estacionamento. É o abrigo do homem. Serve para ele trabalhar, viver. A ideia é fazer algo bonito. Beleza sempre cercou o homem. Nosso ancestral mais antigo pintava as cavernas. A leveza é encontrada em qualquer objeto, não é uma coisa que eu inventei. A ideia é simplificar, reduzir. Na arquitetura é isso também.
Arquitetura soviética
Estive na União Soviética no stalinismo. Quando ia sair da cidade [Moscou], a direção da escola de arquitetura me perguntou: “Que acha da arquitetura soviética?”. Eu disse: “Estou com vocês na política, mas, nesse ponto, não tenho argumentos para defender o que fazem”.
Luiz Carlos Prestes
Eu o conheci quando acomodei no escritório uns 15 comunistas que tinham saído da prisão. Eu o conheci e, 15 dias depois, entreguei a minha casa para ele e disse: “Fique com a casa, que seu trabalho é mais importante”. Às vezes, um cliente reacionário telefonava, e eu respondia: Partido Comunista Brasileiro. O sujeito tomava um susto.
Comunismo
Sou comunista, nunca achei que tivesse acabado. É uma ideia justa, estou velho demais para mudar de ideia. O que ocorreu na União Soviética em 70 anos foi uma evolução fantástica. Transformaram um país de mujiques em potência mundial. Eles foram à Lua, ajudaram todos os povos em libertação. Apoiaram todos os partidos políticos. Impediram que Cuba fosse invadida. Eles não se preocuparam economicamente, e a coisa falhou.
Crise do socialismo
O que eu penso é que o ser humano não estava preparado. Quando a gente fala em uma sociedade melhor, justa, em que todos se compreendem, tudo pede que o ser humano esteja disposto. Cuba, por exemplo, está cercada, é o cerco mais horrível da história, e o povo está lá resistindo. É porque eles seguem o exemplo de Fidel. Uma mudança para melhor vai acontecer quando o homem compreender que é fruto da natureza. Que é um bicho, que nasce e morre. Quando eu faço um projeto, fico quebrando a cabeça e procuro lutar por ele, mas, no fundo, quando fico sozinho, sei que não tem importância. Como essa conversa agora: aqui, um dia, não vai ter mais ninguém também. Penso que tanto faz ser feliz ou infeliz, a vida é um sopro, um minuto.

uíza Vera Müller: “No Brasil, pensamos que só a cadeia resolve”


publicado em 2 de janeiro de 2013 às 11:51

A juíza aposentada Vera Regina Müller, uma das pioneiras no Brasil na defesa de penas alternativas. Foto:Sergio Amaral/CartaCapital
Cynara Menezes, em CartaCapital
A juíza aposentada Vera Regina Müller é uma das pioneiras no Brasil na defesa de penas alternativas. Apaixonou-se pelo tema no início da década de 1980, quando conheceu a realidade britânica: de cada cem penas aplicadas no Reino Unido, 80 são alternativas. Müller implantou penas alternativas no Rio Grande do Sul, sua terra natal, em 1985. Em 2000, faria o mesmo na Central Nacional de Penas e Medidas Alternativas (Cenapa) do Ministério da Justiça, que comandou no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Com o julgamento do “mensalão”, mais do que nunca o debate sobre as penas alternativas volta à tona, mas o assunto guarda duas ironias: se o governo do PSDB foi o responsável por tê-las implementado no País, não deixa de ser, no mínimo, curioso que o partido agora defenda, com unhas e dentes, o encarceramento dos condenados.
Por outro lado, o PT, que gostaria de ver José Dirceu, José Genoino e outros colegas de partido cumprir penas alternativas, em vez de presos, diminuiu a verba federal para o setor nos últimos anos. A juíza explica sua visão do tema na entrevista abaixo:
CartaCapital: Desde que a senhora esteve no governo, evoluiu a questão das penas alternativas no Brasil?
Vera Müller: Carecemos, hoje, de um sistema online para medir as aplicações no País. Os dados que chegam são muito atrasados. Até onde se contou, em 2009, o número de penas alternativas ultrapassou o número de encarcerados: são cerca de 540 mil encarcerados e mais de 640 mil aplicações de penas alternativas. E deve ser muito mais.
CC: Não é irônico que o PSDB, que criou uma central de penas alternativas, defenda agora o encarceramento dos condenados no “mensalão”?
VM: É irônico, mas tem outra conotação aí, política. No Brasil, achamos que a única coisa que resolve é a cadeia. Está aí o (José Luiz) Datena que passa a tarde na televisão a martelar, a preconizar o encarceramento. Quando comecei a fazer esse trabalho, verifiquei que 75% dos processos numa vara criminal eram de menor potencial ofensivo. Só 35% são delitos mais graves. Os demais não tiveram defensor público, são pobres, sem qualificação profissional, poderiam estar fora da cadeia. Os delitos mais graves são em muito menor número, mas a população não sabe disso.
CC: Há quem defenda que crimes de colarinho-branco não sejam punidos com penas restritivas de liberdade, mas com multas e penas alternativas. A senhora concorda?
VM: Depende do crime de colarinho-branco. A Justiça Federal tem juizado especial e trabalha com penas alternativas e o recolhimento é fantástico exatamente em função da aplicação de multas a crimes do colarinho-branco. Muitas instituições são beneficiadas com isso, dá para fazer muita coisa. O que eu fico impressionada é dizer que “não vai dar em nada, vai aplicar pena alternativa”. Pena alternativa, quando bem aplicada, tem a sua função de prevenção da criminalidade e de reprimenda. O que se procura? Fazer com que a pessoa se sinta tão constrita, responsabilizada, que não volte a delinquir.
CC: Para aplicar a pena alternativa, a questão é apenas o réu não oferecer risco à sociedade?
VM: Violência, grave ameaça ou risco à sociedade. A maior parte das tipificações do código penal é para delitos mais leves. Quando a pena é de até quatro anos, o juiz precisa aplicar a pena alternativa se o réu preencher as condições: se é primário, se não tem antecedentes, se o delito é proporcional, tem vários requisitos. Quando tem essas condições, tem de aplicar, não pode fugir.
CC: Hoje quais são as penas alternativas possíveis?
VM: Tem a prestação de serviços à comunidade, a limitação de fins de semana, a prestação pecuniária. Têm, também, aquelas que a Lei Maria da Penha trouxe, que é o agressor se manter a tantos metros de distância da vítima e ter de se apresentar à Justiça de tempos em tempos. Em minha opinião, o que funciona muito bem, quando bem aplicada, é a prestação de serviços à comunidade. A reincidência é menor.
CC: Se as penas alternativas fossem mais bem aplicadas, as cadeias estariam mais vazias?
VM: Num primeiro momento, se acreditava que poderia esvaziar, mas são muitos os fatores. Como o movimento de entrada é muito grande, não dá para dizer isso. O que precisa é mais investimento. Fui ao Ministério da Justiça e, quando vi os recursos aplicados, me apavorei: são os mesmos de 12 anos atrás. São só 3 milhões de reais previstos para o ano que vem.
CC: Quer dizer que o PT agora defende penas alternativas, mas não investiu em sua aplicação?
VM: Investiu, mas todo o dinheiro do Fundo Penitenciário Federal está sendo utilizado para o superávit primário. A arrecadação que a pena alternativa teria é muito maior do que estes 3 milhões que se têm agora para o orçamento do ano que vem. Está na mão do ministro tomar alguma atitude.
CC: As penas alternativas caminharam mais rápido no governo FHC ou no governo Lula/Dilma?
VM: No governo FHC foi dado o start. Depois, num período grande do mandato de Lula, o recurso chegou a 9, 10 milhões de reais, mas logo começou a reduzir. Então, acho que os dois governos estimularam. O que não pode é deixar morrer, precisa dar um salto. No nosso país entende-se que a expiação tem de ser na cadeia, e quanto pior a cadeia, melhor. Mas lidamos com seres humanos. Como é que essa pessoa vai sair e ter uma vida harmônica na sociedade se é maltratado lá dentro? A pena alternativa ajuda muito para que ele não ingresse na prisão. E quem está lá tem de ser bem tratado.
CC: Outro dia o ministro José Eduardo Cardozo falou que se mataria se fosse preso no Brasil. O que a senhora achou?
VM: Teve o lado bom e o lado ruim deste comentário. O lado bom é que ele foi absolutamente sincero, foi até elogiado pela coragem de dizer o que estava sentindo. O lado ruim é: puxa, então por que não faz alguma coisa? Hoje o que está se propondo para o ministro é a municipalização da execução penal, já que o delito acontece no município.
CC: Existe na opinião pública uma vontade muito grande pelo encarceramento, não é?
VM: Exato, coloca-se o encarceramento como uma forma de terceirizar a execução penal. “Eu vou deixar lá na cadeia, não quero nem ver”. Pretende-se jogar para baixo do tapete, como se o réu não fosse fruto da sociedade em que a pessoa vive. Quando eu era criança, tinha uma cadeia pública pertinho de onde a gente brincava, em São Leopoldo (RS). Não tinha muros fechados, eram de arame, e a criançada enxergava os presos. Nenhuma criança estranhava. Hoje, quando querem fazer uma cadeia em qualquer lugar é uma gritaria lascada, ninguém quer saber de prisão por perto. Talvez fosse preciso um trabalho de mídia importante para explicar o que são as penas alternativas.
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Protestos mostram esgotamento da democracia parlamentar liberal, defende Safatle

Entrevista

Filósofo e colunista de CartaCapital afirma que partidos não devem deter o monopólio da estrutura de representação social do País

por Gabriel Bonis — publicado 04/07/2013 08:15

Clara Parada
Safatle
As manifestações que se espalharam pelo Brasil nas últimas semanas demonstram um esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal, segundo Safatle
As manifestações que se espalharam pelo Brasil nas últimas semanas demonstram um esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal, segundo o filósofo Vladimir Safatle, colunista deCartaCapital e professor da Universidade de São Paulo. “As pessoas não se sentem mais representadas. Isso é algo global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa”, diz, em entrevista para um documentário sobre os protestos produzido pelo site de CartaCapital, com lançamento previsto para as próximas semanas.
Segundo o filósofo, os movimentos que tomaram às ruas do País estão apenas começando suas ações e as pessoas voltarão às ruas sempre que precisarem defender causas relevantes.
Abaixo, trechos da entrevista (confira, em breve, outras partes da conversa no documentário):
PROTESTOS
Os protestos e os movimentos que eles produziram só começaram. O que é mais importante virá daqui para frente. Quando esses movimentos ocorrem, eles não desaparecem. Mesmo que fiquem em latência e se arrefeçam, em algum momento, se voltar a existir algum momento político forte, eles voltam com força. Temos manifestações ininterruptas há quase um mês.
O QUE DEIXARAM
Deixaram a configuração de um novo modelo de lutas políticas no Brasil. Onde a manifestação de rua e os protestos ganham uma força de ressonância muito forte. Durante dois ou três anos, tivemos manifestações quase ininterruptas no Brasil, como greves de todas as naturezas: greves de professores, bombeiros, policiais e coveiros. Tivemos também manifestações com pautas a costumes como os direitos a homossexuais, aborto, uso da maconha, repressão policial. No entanto, ninguém fez uma associação ligando os pontos de que havia algo embrionário na politica brasileira. Um deslocamento da política fora dos bastidores em direção às ruas.
Ninguém viu isso porque estávamos anestesiados com a ideia de que havíamos chegado a um patamar de normalidade política tal, que todas as discussões políticas seriam ligadas a quem vai gerenciar o processo de desenvolvimento brasileiro, quem serão os consórcios. Abria as páginas de jornais e via coisas mínimas sobre greves, mas sobre os acordos entre partidos tinham milhões de análises como se esse fosse o foco fundamental da política.
Esse processo foi um hiato na política brasileira, a ideia de ser possível organizar a política dentro do mero quadro institucional. A política do País sempre foi de mobilização de rua, seja de direita ou de esquerda, esse é o natural aqui. De certa forma, essas manifestações colocaram a política brasileira no seu lugar natural.  Ninguém do Judiciário ou do Congresso vai poder de novo tomar decisões de costas para a opinião pública, como foi muito comum nos últimos anos.
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Há uma consciência cada vez mais clara do esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal. As pessoas não se sentem mais representadas. Isso não é local, é global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa. Essa ideia de que a imprensa poderia falar em nome da população. Bem, a população ela vira os carros da imprensa e coloca fogo. Isso significa que eles sentem que existe uma crise de representatividade muito mais ampla dos atores políticos da vida social contemporânea.
Em uma situação como essa é preciso dar lugar a essa força instituinte da participação popular direta para que ela possa reconstruir as bases do processo institucional. Essa demanda de reconstrução está muito presente no debate brasileiro.
PARTIDOS
Quando os manifestantes dizem que são contra partidos, estão dizendo que a estrutura de monopólio da representação pelos partidos se esgotou. Não é possível imaginar que só os partidos tenham o monopólio da representação política. De onde vem essa ideia de que aonde os partidos não são fortes, a democracia é fraca? Isso não é verdade. A democracia é fraca quando tem um poder instituinte que não é ouvido. Porque ai há a corrupção dos partidos e a institucionalização dos processos políticos. E isso é o que vimos acontecer em várias democracias que julgávamos serem maduras, como na França, Espanha e Inglaterra. É uma pauta concreta.
Existe uma necessidade de reinvenção democrática. Não é possível que sejamos tão cegos. As pessoas querem modelos de participação e organização diferentes. Partidos serão só um elemento entre outros dentro de um novo acordo. Por exemplo, é necessário confiar na capacidade da população de inventar procedimentos. A democracia é invenção, mas nos adaptamos a ideia de que todos os processos estão postos e basta eles funcionarem direito. Isso é falso. Eles nunca funcionaram direito porque são processos em contínua reinvenção.
A democracia direta pode ser pensada de diversas formas: porque um candidato independente não pode se apresentar em uma eleição? Porque não implementar uma ideia usada na Islândia e outros lugares, onde a participação popular tem o poder de veto? Se 10% da população se manifestar sobre uma lei do Parlamento ela é vetada e deve haver uma consulta por sufrágio. O poder popular não é só consultivo e propositivo, como aqui há a ideia de se juntar 1 milhão de assinaturas e levar uma pauta ao Congresso, mas é um poder de veto, impedir que o Congresso tome certas decisões.
FONTE: CARTA CAPITAL


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