terça-feira, 27 de agosto de 2013

LEIA TUDO E FAÇA UMA DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA SOBRE A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL

dios, os estrangeiros nativos

A dificuldade de uma parcela das elites, da população e do governo de reconhecer os indígenas como parte do Brasil criou uma espécie de xenofobia invertida, invocada nos momentos de acirramento dos conflitos

ELIANE BRUM
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A volta dos indígenas à pauta do país tem gerado discursos bastante reveladores sobre a impossibilidade de escutá-los como parte do Brasil que têm algo a dizer não só sobre o seu lugar, mas também sobre si. Os indígenas parecem ser, para uma parcela das elites, da população e do governo, algo que poderíamos chamar de “estrangeiros nativos”. É um curioso caso de xenofobia, no qual aqueles que aqui estavam são vistos como os de fora. Como “os outros”, a quem se dedica enorme desconfiança. No processo histórico de estrangeirização da população originária, os indígenas foram escravizados, catequizados, expulsos, em alguns casos dizimados. Por ainda assim permanecerem, são considerados entraves a um suposto desenvolvimento. A muito custo foram reconhecidos como detentores de direitos, e nisso a Constituição de 1988 foi um marco, mas ainda hoje parecem ser aqueles com quem a sociedade não índia tem uma dívida que lhe custa reconhecer e que, para alguns setores – e não apenas os ruralistas –, seria melhor dar calote. Para que os de dentro continuem fora é preciso mantê-los fora no discurso. É isso que também temos testemunhado nas últimas semanas.

Entre os exemplos mais explícitos está a tese de que não falam por si. Aos estrangeiros é negada a posse de uma voz, já que não podem ser reconhecidos como parte. Sempre que os indígenas saem das fronteiras, tanto as físicas quanto as simbólicas, impostas para que continuem fora, ainda que dentro, é reeditada a versão de que são “massas de manobra” das ONGs. Vale a pena olhar com mais atenção para essa versão narrativa, que está sempre presente, mas que em momentos de acirramento dos conflitos ganha força.

Desta vez, a entrada dos indígenas no noticiário se deu por dois episódios: a morte do terena Oziel Gabriel, durante uma operação da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, e a paralisação das obras de Belo Monte, no Pará, pela ocupação do canteiro pelos mundurucus. O terena Oziel Gabriel, 35 anos, morreu com um tiro na barriga durante o cumprimento de uma ordem de reintegração de posse em favor do fazendeiro e ex-deputado pelo PSDB Ricardo Bacha, sobre uma terra reconhecida como sendo território indígena desde 1993. Pela lógica do discurso de que seriam manipulados pelas ONGs, Oziel e seu grupo, se pensassem e agissem segundo suas próprias convicções, não estariam reivindicando o direito assegurado constitucionalmente de viver na sua área original. Tampouco estariam ali porque a alternativa à luta pela terra seria virar mão de obra barata ou semiescrava nas fazendas da região, ou virar favelados nas periferias das cidades. Não. Os indígenas só seriam genuinamente indígenas se aceitassem pacífica e silenciosamente o gradual desaparecimento de seu povo, sem perturbar o país com seus insistentes pedidos para que a Constituição seja cumprida. Aí já há uma pista para o que alguns setores da sociedade brasileira entendem como identidade “verdadeira”: ser índio seria, quando não desaparecer, ao menos silenciar.

No caso dos mundurucus, questionou-se exaustivamente a legitimidade de sua presença no canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, por estarem “a 800 quilômetros de sua terra”. De novo, os indígenas estariam extrapolando fronteiras não escritas. Os mundurucus estavam ali porque suas terras poderão ser afetadas por outras 14 hidrelétricas, desta vez na Bacia do Tapajós, e pelo menos uma delas, São Luiz do Tapajós, deverá estar no leilão de energia previsto para o início de 2014. Se não conseguirem se fazer ouvir agora, eles sabem que acontecerá com eles o mesmo que acabou de acontecer com os povos do Xingu. Serão vítimas de um outro discurso muito em voga, o da obra consumada. A trajetória de Belo Monte mostrou que a estratégia é tocar a obra, mesmo sem o cumprimento das condicionantes socioambientais, mesmo sem a devida escuta dos indígenas, mesmo com os conhecidos atropelamentos do processo dentro e fora do governo, até que a usina esteja tão adiantada, já tenha consumido tanto dinheiro, que parar seja quase impossível.

Adiantaria os mundurucus gritarem sozinhos lá no Tapajós, para serem contemplados no seu direito constitucional, respaldado também por convenção da Organização Internacional do Trabalho, de serem ouvidos sobre uma obra que vai afetá-los? Não. Portanto, eles foram até Belo Monte se fazer ouvir. Mas, como são indígenas, alguns acreditam que não seriam capazes de tal estratégia política. É preciso resgatar, mais uma vez, o discurso da manipulação – ou da infiltração. Já que, para serem indígenas legítimos, os mundurucus teriam de apenas aceitar toda e qualquer obra – e, se fossem bons selvagens, talvez até agradecer aos chefes brancos por isso.

Quando os indígenas levantam a voz, a voz não seria sua. Seria de um outro, a quem emprestam o corpo. Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que o discurso dos indígenas como massa de manobra seja inocente. Ele serve a muitos interesses, inclusive o de tirar do foco os reais interesses sobre as terras indígenas de quem o difunde. Mas esse discurso não teria ressonância se não tivesse a adesão de uma parte significativa da população brasileira. E esta adesão se dá, me parece, por essa espécie de xenofobia invertida. Estes “estrangeiros nativos” ameaçariam um suposto progresso, já que seu conhecimento não é decodificado como um valor, mas como um “atraso”, sua enorme diversidade cultural e de visões de mundo não são interpretadas como riqueza e possibilidades, mas como inutilidades. Neste sentido, há uma frase bastante reveladora de como esse olhar – ou não olhar – contamina amplas parcelas da sociedade, inclusive no governo. Ao falar em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em dezembro passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que sua pasta atendia “da toga à tanga”. Entre os dois extremos, podemos ver em qual deles o ministro situa o ápice da civilização e também o seu oposto.

Há ainda uma dupla invocação do estrangeiro nesse discurso, já que a única coisa pior do que ser “massa de manobra” de ONGs nacionais seria ser das estrangeiras. Evocar a ameaça externa parece sempre funcionar, como naqueles SPAMs, que volta e meia reaparecem, de que “os gringos estão invadindo a Amazônia” – esta também, tão nossa que podemos destruí-la, tarefa a que temos nos dedicado com afinco. Ao denunciar uma suposta apropriação do corpo simbólico dos indígenas por outros, o que se revela, de fato, é a frustração porque esse corpo não se deixa expropriar e manipular pelas elites como antes. Porque apesar de todas as violências, há uma voz que ainda escapa – e que demanda o reconhecimento de seu corpo-terra, de seu pertencimento. Aquele que é visto como o de fora se torna um incômodo quando diz que é parte.

Vale a pena prestar atenção em quem amplifica o discurso dos indígenas como “massa de manobra”, para verificar que fazem exatamente o que acusam outros de fazer: afirmam o que os indígenas, todos eles, precisam e querem. Parece haver um consenso, inclusive, de que o verdadeiro desejo dos indígenas seria se tornar um trabalhador assalariado e urbano ou, pelo menos, o beneficiário de algum programa de transferência de renda do governo.

Nesta posição, eles não atrapalhariam ninguém – e menos ainda os produtores rurais. Este é o momento chave para a entrada de outro discurso recorrente: o de que os indígenas querem terra “demais”. Basta fazer as contas, como fez o jornalista Fabiano Maisonnave, na Folha de S. Paulo: com uma população de 28 mil indígenas em Mato Grosso do Sul, os terenas têm sete reservas, somando cerca de 20 mil hectares; já o produtor rural Ricardo Bacha, em cuja fazenda foi morto o terena Oziel Gabriel, tem cerca de 6.300 hectares, dos quais 800 em litígio. Se é de concentração de terra na mão de poucos que se pretende falar, há muitos números ilustrativos que podem ser citados. Outro dado interessante vem de uma pesquisa da Embrapa, citada em artigo do engenheiro florestal Paulo Barreto, no site O Eco: há 58,6 milhões de hectares de pastos degradados pela pecuária, o equivalente a 53% da área total de terras indígenas. “A Embrapa tem demonstrado que já existem as tecnologias para aumentar a produtividade dos pastos degradados. Assim, ocupar terra indígena é, além de inconstitucional, prova de incompetência”, afirma Barreto. A Embrapa é um dos novos atores que deverão ser chamados para opinar sobre as demarcações, numa manobra para esvaziar a Funai e agradar a bancada ruralista.

O lugar de estranho indesejado,supostamente sem espaço no Brasil que busca o desenvolvimento, tem permitido todo o tipo de atrocidades contra indivíduos e também contra etnias inteiras ao longo da história. Seria muito importante que cada brasileiro reservasse meia hora ou menos do seu dia para ler pelo menos as primeiras 16 páginas do resumo do Relatório Figueiredo, um documento histórico que se acreditava perdido e que foi descoberto no final de 2012 por Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No total, o procurador Jáder Figueiredo Correia dedicou 7 mil páginas para contar o que sua equipe viu e ouviu. A íntegra também está disponível na internet.

O relatório, datado de 1968, documentou o tratamento dado aos povos indígenas pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Entre os crimes, cujos responsáveis foram nominados, mas jamais punidos, estão os “castigos” infligidos pelos funcionários aos indígenas, como crucificações e uma tortura conhecida como “tronco”, na qual a vítima tinha o tornozelo triturado. Crianças eram vendidas para abusadores, mulheres, estupradas e prostituídas. Duas aldeias de pataxós, na Bahia, foram dizimadas para atender aos interesses de políticos de expressão nacional da época.Uma nação indígena inteira foi extinta por fazendeiros, no Maranhão, sem que os funcionários sequer tentassem protegê-la. O procurador cita a possível inoculação do vírus da varíola em uma etnia de Itabuna, na Bahia, para que as terras fossem liberadas para “figurões do governo”, assim como o extermínio de um grupo de cintas-largas, em Mato Grosso, de várias formas: atirando dinamite de um avião e adicionando estricnina ao açúcar, além de caçá-los e matá-los com metralhadoras. O massacre ocorreu em 1963, ainda no período democrático, portanto, e os que ainda assim sobreviveram foram rasgados com o facão, “do púbis a cabeça”.

A lista é longa. É importante ressaltar que tudo isso não se passou na época de Pedro Álvares Cabral, nem mesmo no tempo dos bandeirantes, mas na década de 60 do século XX. Praticamente ontem, do ponto de vista histórico. Cabe enfatizar ainda que os crimes foram infligidos aos indígenas, num comportamento disseminado por todo o país, por representantes do Estado brasileiro. Menciono o relatório não só porque acredito que precisamos conhecê-lo, mas porque ele demonstra que tipo de olhar permite que atrocidades dessa ordem tenham se tornado uma política não oficial, mas exercida como se fosse – e não por um único psicopata, mas por dezenas de funcionários e suas esposas, com o apoio e às vezes a ordem da direção do órgão criado para proteger os povos tradicionais. Para estas pessoas, o corpo dos indígenas era território a ser violado, como violada foi a sua terra. Como aqueles sem lugar, os indígenas não eram reconhecidos como iguais, nem mesmo como humanos. Eram o que, então? O procurador responde: “Tudo como se o índio fosse um irracional, classificado muito abaixo dos animais de trabalho, aos quais se presta, no interesse da produção, certa assistência e farta alimentação”.

Para quem imagina que este capítulo é parte do passado, vale a pena lembrar que apenas nos últimos dez anos, nos governos Lula-Dilma, foram assassinados 560 indígenas. A Constituição precisa ser cumprida, as demarcações devem ser feitas, os fazendeiros que possuem títulos legais, distribuídos pelo governo no passado, têm direito a ser indenizados pelo Estado. Mas há um movimento maior, mais profundo, que é preciso empreender. Como “estrangeiro nativo”, uma impossibilidade, só é possível perpetuar a violência.É necessário fazer o gesto, também em nível individual, de reconhecer o indígena como parte, não como fora. Para isso é preciso primeiro desejar conhecer, o gesto que precede o reconhecimento. Só então o Brasil encontrará o Brasil.  
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)
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    Números da violência contra a população indígena no estado do Mato Grosso do Sul impressionam e representam um cenário de abandono e omissão do poder público
    Por Igor Carvalho
    Esta matéria está na edição 124 da revista Fórum. Nas bancas ou compre aqui
    Eram 6h da manhã em Paranhos, cidade distante 469 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, quando Alessandro Figueiredo, índio da etnia guarani-kaiowá, entrou correndo na aldeia Paraguassu clamando por socorro. Vinte minutos antes, havia visto seu filho ser assassinado com dois tiros.
    Celso Figueiredo caminhava com o pai até a fazenda Califórnia, próxima à aldeia Paraguassu, para receber a quitação de serviços prestados que totalizavam R$ 600, um pagamento atrasado havia dois meses. Quando atravessavam a ponte que passa sobre o rio Iguatemi, um homem encapuzado saltou da moto que dirigia, apontou uma espingarda e atirou no indígena, que caiu. Alessandro ainda teve tempo de ver quando o algoz puxou da cintura uma pistola e disparou contra o peito de seu filho.
    Doze dias antes, em 30 de maio, na cidade de Sidrolândia, a 69 quilômetros de Campo Grande, policiais federais, militares e agentes da Companhia de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais (Cigcoe) cumpriram uma determinação judicial de reintegração de posse na fazenda Buriti. Quatrocentos indígenas da etnia terena ocupavam a fazenda havia 15 dias.
    Segundo os terenas, quando chegaram, às 6h da manhã, os agentes entraram na propriedade atirando. O indígena Oziel Gabriel, pai de dois adolescentes, um de 12 e outro de 15 anos, tomou um tiro e foi assassinado. Jabez Gabriel, irmão da vítima, se recorda da manhã do dia 30 de maio. “O clima era de guerra. Chegaram no acampamento sem dialogar, usando bomba de efeito moral, depois começaram a atirar com balas de borracha e usaram armas letais.”
    A equipe de reportagem do sitio Midiamax acompanhou as forças policiais no momento da reintegração de posse e relatou que os índios resistiram com estilingues e pedaços de pau, mas foram encurralados na fazenda. “Os policiais, protegidos com escudos, chegaram atirando balas de borracha num grupo de índios que estavam às margens de uma estrada vicinal. Um dos índios foi atropelado por uma viatura da PM” , conta a reportagem.
    Jabez explicou que a morte do irmão foi consequência de um gesto mal interpretado. “Quando a polícia estava usando arma letal, meu irmão abaixou para pegar a câmera que estava carregando, para filmar os policiais. Nesse momento, eles atiraram.”
    “O Estado brasileiro assassinou o meu irmão”
    Celso Figueiredo e Oziel Gabriel são apenas dois casos que ajudam a remontar um cenário de descaso e violência com a população indígena no Mato Grosso do Sul. Quando Jabez diz “o Estado brasileiro assassinou meu irmão”, essa afirmação ecoa para além da bala que partiu de um agente desse Estado, e se relaciona com os conflitos por terra na região.

    Indígenas conduzem o corpo de Celso Figueiredo para o enterro (Foto: Mídia Ninja)
    “Nem uma sentença judicial, nem o emprego da força policial, nem a recusa do governo em demarcar o seu território tradicional farão os guaranis-kaiowás desistir. Resta-lhes uma derradeira e macabra alternativa: a morte coletiva.” A afirmação é do bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Erwin Kräulter, no texto de abertura do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil”, da entidade que preside, e demonstra a determinação dos indígenas em recuperar seu tekoha (terra que aglutina elementos da natureza, onde se realiza o teko, que significa “modo de ser”, da vida guarani).
    No Mato Grosso do Sul, a resistência indígena levada até o limite da morte parece ser um destino mais que provável. O relatório elaborado pelo Cimi traz números alarmantes de homicídios no estado. Em 2012, 60 indígenas foram assassinados no Brasil, e 61%, ou 37 casos, ocorreram na região. Em 2011, haviam sido 51 assassinatos em todo o País, sendo 32 de índios sul-matogrossenses.
    “Nós vivemos um Estado de exceção”, diz Flávio Machado, coordenador regional do Cimi. As estatísticas da década apontam para um aumento considerável nos dados relacionados à violência contra indígenas. Em 2003, 13 índios foram assassinados no Mato Grosso do Sul, 33% dos 42 casos do País. O pico aconteceu em 2007, com 92 homicídios, 53 só no estado do centro-oeste. Em 10 anos, foram 563 assassinatos de índios no Brasil. Destes, 317, ou 56%, ocorreram no MS, em média 31,7 mortes a cada 12 meses.
    O Cimi distingue os estágios de violência contra a população indígena entre interna, de índio contra índio; e a externa, de não índios contra índios. Porém, em ambos os casos, o problema passa pelo conflito fundiário. “A maior é a violência interna, mas relacionamos ela à questão territorial também. As aldeias que mais registram casos de homicídio entre índios são superpopulosas, como a aldeia de Dourados, que tem uma população de 14 mil índios vivendo em 2,6 mil hectares. Lá, o índice de homicídios é de 146 mortos para cada 100 mil pessoas, enquanto a média nacional é de 24 casos para 100 mil pessoas”, compara Machado. Em contrapartida, ele explica que nas terras onde existe conforto demográfico, os “índices praticamente zeram, na maioria delas não há registros de homicídios, pois todos têm espaço para plantar e morar.”
    Êxodo indígena
    Índios terenas e kadiwéu serviram o Brasil na Guerra do Paraguai, porém, quando retornaram, tinham perdido suas terras. As demais etnias sofreram com a política oficial de desapropriação de suas terras pelo colono branco, com titulação fornecida pelo Estado, segundo o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, em seu relatório “Tekoha 3”.
    Desde então, os indígenas que não foram confinados em pequenas aldeias circulam pelo País, em busca de seu tekoha, sua terra de origem. Machado conta o início do êxodo indígena em busca de seu território. “A partir da década de 1980, os índios começam a se organizar e retornar para as suas terras. Por conta desse avanço, começam a ser perseguidos. A primeira liderança assassinada por conta desse processo de retorno foi Marçal de Souza, em 1983.”
    Segundo o Cimi, de dez guaranis-kaiowás assassinados nos últimos dez anos diretamente por sua atuação na luta pela terra, pelo menos oito são lideranças. “Somente os que estão com inquérito aberto, sem contar os demais”, afirma Machado, antes de enumerar todos os homicídios: “Marcos Veron [2003], Dorival Benitez [2005], Dorvalino Rocha [2005], Zulita Lopes [2007], Ortiz Lopes [2007], Rolindo Verá e Genivaldo Verá [2009], Teodoro Ricardo [2010], Nízio Gomes [2011] e Denilson Barbosa [2013].”
    No Mato Grosso do Sul, terras indígenas representam um total de 859 mil hectares da área do estado, enquanto as plantações de soja ocupam 2 milhões de hectares e as pastagens para criação de gado tomam mais de 16 milhões de hectares do solo sul mato-grossense, de acordo com a Federação de Agricultura e Pecuária de MS (Famasul). Vivem, no Brasil, mais de 896 mil índios. O Mato Grosso do Sul é responsável pela segunda maior concentração indígena do país, com uma população de 77 mil índios, divididos em nove etnias: Atikum, Guato, Ofaié, Kadiwéu, Kinikinawa, Kama, Terena e a maioria de guaranis e kaiowás, que somam 44 mil pessoas.
    Muitas das aldeias no estado, na verdade, são acampamentos e estão constituídas em beira de estrada ou áreas improdutivas, sem energia, água ou esgoto. “As nossas condições são precárias, muitas vezes passamos fome aqui, as crianças ficam sem comida. A saúde vai mal, não se pode plantar nada, pois os fazendeiros colocam veneno em todo o solo e os rios são poluídos”, explica Ambrósio Ricardi, cacique da aldeia Nhaderu Marangatu.
    Esses acampamentos são mantidos nos tekohas, pois é uma forma que os índios encontraram de chamar a atenção das autoridades e requerer as terras originárias, um direito constitucional. O artigo 231 da Constituição  brasileira diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Por essa garantia constitucional, lutam os 77 mil índios sul mato-grossenses.
    Para ser reconhecida como posse por direitos originários, uma propriedade precisa passar por cinco estágios: estudo; delimitação, declaração, homologação e regularização (ver quadro abaixo). Segundo dados da Funai, existem 672 terras indígenas no Brasil, sendo que, destas, 428 estão regularizadas. As terras indígenas ocupam, hoje, 13% do território nacional, ou 113 milhões de hectares. Porém, o processo de homologação dos territórios caminha a passos lentos, em especial, desde 2002, início das gestões petistas na Presidência do Brasil. “Na nossa concepção, não está se demarcando mais terras por uma questão política-ideológica, aquela de que ‘terras indígenas deixam de ser produtivas’, priorizando, assim, o agronegócio. Projetos que antes estavam parados havia 20 ou 30 anos, de impacto em terras indígenas, hoje estão caminhando, como Belo Monte, que o governo Lula resgatou e enfiou goela abaixo na população da região”, afirma Machado.
    O dever constitucional e a tarefa de manter viva a cultura matriz do País não tem feito parte da agenda da presidenta Dilma Rousseff, que tem o pior desempenho entre os presidentes pós-ditadura militar no que tange à homologação das terras indígenas. Somados, Lula (81) e Dilma (8) não chegam a quantidade de terras homologadas por Fernando Henrique Cardoso em seus oito anos de mandato (118). José Sarney (39), Fernando Collor (58) e Itamar Franco (39) completam a lista.
    O PIB positivo
    Das oito terras indígenas homologadas por Dilma, nos mais de dois anos de governo, nenhuma fica no Mato Grosso do Sul. O reconhecimento do território dos índios esbarra na volúpia econômica no mundo rural brasileiro, que tem como carro chefe o estado do centro-oeste.
    A prosperidade do agronegócio foi responsável, no primeiro trimestre de 2013, pelo crescimento de 0,6% da economia brasileira. Os negócios no campo cresceram 9,7% em relação ao final de 2012, foi a maior alta trimestral desde 1998. Os números são da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que prevê um crescimento de 9% em 2013. Os números garantem, aos produtores rurais, poder político para negociar suas reivindicações. O peso econômico do agronegócio e sua representação parlamentar em Brasília, a bancada ruralista, podem justificar a escassez de demarcações de terras e políticas públicas de apoio aos indígenas, por parte do governo federal.
    “Nossa paciência está acabando. Nós sempre vamos perder. Mas nós não temos medo da morte, se for preciso, resistiremos até a morte para que as próximas gerações tenham direito à terra dos nossos antepassados”, afirmou Otoniel Ricardo, uma das mais influentes lideranças do Aty Guasu, grande assembleia do povo guarani-kaiowá, que já foi vereador na cidade de Caarapó, a 240 quilômetros de Campo Grande. Para o ex-parlamentar, a influência política tem feito a diferença. “Nós nunca fomos recebidos pela Dilma. Ela nunca sentou para conversar com nenhum índio, enquanto isso, os ruralistas estão tomando conta do Congresso.”
    A afirmação de Otoniel encontra respaldo nos dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Hoje, 214 dos 513 deputados da Câmara, ou seja, 41,7%, estão alinhados ou fazem parte da chamada bancada ruralista. Com tamanha influência, os fazendeiros comemoraram a chegada, em Brasília, de projetos que atendem às necessidades do agronegócio.
    Foi aprovada, em abril, na Comissão de Constituição e Justiça, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 215, que transfere o poder de demarcações  de terras indígenas do Ministério da Justiça para o Congresso Nacional. Os parlamentares querem que a PEC seja votada ainda em 2013. Com 42,7% dos parlamentares votando a favor das pautas da “bancada ruralista”, não fica difícil imaginar, caso a PEC 215 seja aprovada na Câmara, que a demarcação de terras indígenas passará a obedecer somente a critérios políticos, correndo o risco de sofrer atrasos.
    Buriti
    Em Sidrolândia, um caso emblemático das demarcações de terras indígenas no país: uma área de 17,2 mil hectares é motivo de um processo moroso que já dura quase um século. O antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) declarou, em 1926, que Buriti era terra indígena e demarcou 2 mil hectares para que os terenas morassem. Não satisfeitos e entendendo que área deveria ser maior, os terenas organizaram uma comitiva de índios que foi de Sidrolândia até o Rio de Janeiro, sede do governo federal à época, para reivindicar os demais 15,2 mil hectares. Não obtiveram sucesso.
    Em 2001, a Funai confirmou a área como território indígena, deixando o caminho aberto para a reivindicação do direito originário sobre a terra. Mas em 2004, a Justiça Federal, em primeira instância, devolveu as propriedades aos fazendeiros. Mais dois anos tramitando e o processo sofreu nova reviravolta. O Tribunal Regional Federal da 3º Região, devolveu aos indígenas a posse da terra, após recurso da Funai e do Ministério Público Federal. Um novo recurso dos proprietários foi julgado em junho deste ano pelo TRF, em São Paulo, dando parecer favorável aos ruralistas. Fruto da decisão judicial, a reintegração de posse foi determinada e determinante para a morte do terena Oziel Gabriel.
    Hoje, existem 32 fazendas nos 17,2 mil hectares, 17 delas estão ocupadas por terenas. São 5 mil índios que vivem nos 2 mil hectares registrados. “A situação aqui é difícil, vivemos em acampamentos improvisados, sujeitos a todo tipo de violência. Os capangas e pistoleiros dos fazendeiros passam de noite fazendo barulho, até tiro para o alto já deram”, conta Jabez Gabriel.
    “Terra para quem trabalha e produz”
    Na outra ponta do dilema fundiário no Mato Grosso do Sul, estão os produtores rurais como Alvimar Costa, da cidade de Três Lagoas, que acreditam que o progresso econômico deva se sobrepor à cultura indígena. “Na mão do produtor rural, uma terra gera emprego e impostos, na mão do índio não. Por quê? Porque o índio não produz. O índio recebe salario da Funai. Eu desafio qualquer um a ir nas reservas indígenas e encontrar plantações.”
    O discurso proferido por Costa é comum entre os produtores rurais que se reuniram em 14 de junho, durante o ato “Onde tem Justiça, tem espaço para todos” da Famasul, em parceria com a CNA. A manifestação, que aconteceu na pequena Nova Alvorada do Sul, no Mato Grosso do Sul, foi chamada para protestar contra as demarcações de terras indígenas.
    O protesto dos ruralistas em nada lembrava as manifestações de movimentos pelo Brasil: um grande palco, com sistema de som, dois telões, milhares de cadeiras, a presença de inúmeros parlamentares e um grande almoço para celebrar o encontro. Os produtores levaram seus tratores e máquinas agrícolas para desfilarem durante o evento, além de estenderem faixas com dizeres como: “Terra para quem trabalha e produz” e “Chega de invasão”. Os protestos ocorreram em sete estados, simultaneamente.
    O tom do ato podia ser notado na carta, enviada pelo líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS), para produtores rurais e cooperativas do país inteiro convidando para as manifestações. No documento, ele afirma que as demarcações de terras indígenas prejudicam os “legítimos interesses nacionais” e que acaba por provocar no mercado um “temor em produzir riquezas no país.”
    A grande estrela do evento foi a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), a representante mais notória da bancada ruralista. Ela parou o evento quando chegou, foi bajulada por todos, recebeu presentes e elogios dos fazendeiros pelas botas que calçava, repleta de brilhantes. Na área de imprensa, a parlamentar concedeu uma entrevista coletiva. Diante das perguntas contemplativas da imprensa local, a senadora pediu o fim das “invasões” de terras no estado e descartou a possibilidade de negociações com a comunidade indígena. “Não podemos admitir diálogo com invasores de terra. Isso não dá, é um péssimo exemplo aos nossos jovens.”
    Dados da Famasul indicam que atualmente estão em curso 62 ocupações no estado, número que pode crescer. Otoniel Ricardo explica como os guaranis-kaiowás estão mapeando a região. “Temos, no Mato Grosso do Sul, 36 tekohas. Oito estão demarcados, 17 foram retomados [ocupados] e 11 serão retomados.”
    Como tem feito por onde passa, Kátia Abreu aproveitou a ocasião para criticar a Funai. “Todo ser humano precisa de limites, começa em casa, com nossos filhos. A Funai perdeu seus limites, deixou de ser um órgão republicano e passou a ser um órgão de militância política e ideológico.”
    A Funai é alvo de um pedido de CPI, feito pelo deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS), que alega que o Brasil precisa de um marco legal para definir os critérios de demarcação de terras indígenas.
    “Vamos parar o Brasil”
    O discurso do progresso econômico durante o ato em Nova Esplanada do Sul, foi reforçado por parlamentares da região, como o deputado estadual Márcio Monteiro (PSDB), coordenador da Frente Parlamentar do Agronegócio no Mato Grosso do Sul. “O país e o mundo precisam de alimentos. O agronegócio desenvolve uma cadeia que vai desde a indústria de equipamentos, fertilizantes e máquinas, passa pela indústria de rações, enfim… é uma cadeia que ajuda a mover o Brasil. As indústrias frigoríficas no nosso estado empregam mais de mil pessoas, cada uma delas.”
    A vida do homem e a cultura do país sendo alijada, em favorecimento do progresso econômico, incomoda a liderança terena, Jabez Gabriel. “O agronegócio está em primeiro lugar. Matar uma cultura, com línguas e costumes, isso não importa para eles [governos], o importante é o agronegócio, eu não tenho valor nenhum.”
    Durante o evento, produtores rurais dispararam contra governo federal, índios, Cimi, Funai e até a TV Morena, afiliada da Rede Globo no Mato Grosso do Sul, que está proibida de entrar em aldeias indígenas, por “influenciar negativamente a população contra os índios” segundo um cacique. Ruralistas gritavam, em vários momentos, que deviam parar o Brasil. “Se nós não abastecermos a nação, quem fará isso?”, ameaçou um manifestante.
    O produtor rural Tulio Denari tem uma propriedade em Sidrolândia. Para ele, o direito originário sobre a terra não deve ser levado em conta, por motivos históricos. “Isso é uma causa muito simpática. Os índios não eram uma nação quando os portugueses aqui chegaram, e eles não chegaram para tomar a terra dos índios, chegaram para conquistar um lugar que eles achavam que não tinha dono, e se tivesse dono…”, finalizou para, em seguida, duvidar de uma solução para o impasse. “Isso não é um problema que pode ser resolvido hoje, algumas minorias acham que tem mais direito sobre outras maiorias, não pode ser assim.”
    Denari ainda lamentou a condição da população indígena brasileira. “Os índios são uma população brasileira paupérrima. São pobres, ignorantes, sem estudos, sem condição de viver como os brasileiros merecem. Muitos brasileiros são pobres, mas dentro da população indígena isso é muito acentuado.”
    Alessandra Iglesias, também produtora rural, deu sua versão sobre a violência dos conflitos no Mato Grosso do Sul. “Nossas armas são as plantadeiras e os tratores, o gado que nós vacinamos, as armas quem tem são os índios. Cabe à Polícia Federal investigar de onde vêm as armas deles, os produtores são pacíficos e estão aguardando soluções do governo federal.”
    Em outro ponto do evento, Alvimar Costa, de Três Lagoas, também falou sobre a violência nos conflitos. “Se você colocar um dedo nos índios, vai para a cadeia no minuto seguinte, o índio mata o produtor e nada acontece. Isso é culpa da Globo, que esconde do povo o que realmente acontece”, resumiu o produtor.
    –  O governo do Mato Grosso do Sul, por meio do subsecretário de Comunicação, Guilherme Filho, ficou de enviar respostas à Fórum, mas não as recebemos até o fechamento da edição.
    –  A Funai, após cinco dias de cobranças, informou que não se posicionaria, pois os funcionários não poderiam ser localizados, já que o órgão estava mudando de prédio.  F
    Esta matéria está na edição 124 da revista Fórum. Nas bancas ou compre aqui
    http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/questao-indigena-onde-impera-a-lei-do-mais-forte/
     



    Clipping - Fonte: Correio Brasiliense
    08/05/2013 - 10:10

    Dilma ordena intervenção na Funai

    Irritada com os frequentes protestos envolvendo os processos de demarcação de terras, presidente suspende os procedimentos conduzidos pela fundação, encomenda novos estudos e prepara mudanças na cúpula do órgão

    Uma semana depois de a presidente Dilma Rousseff ser vaiada por produtores rurais em Campo Grande, durante manifestação contra a demarcação de terras indígenas, o Palácio do Planalto decidiu intervir nos trabalhos conduzidos pela cúpula da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável por definir as reservas. O primeiro movimento veio ontem, sob a forma da suspensão de processos de delimitação de terrenos no Paraná, estado que enfrenta tensão crescente entre ruralistas e índios por conta da disputa por territórios.
    Por determinação de Dilma, a Casa Civil encomendou à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e aos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário a elaboração de relatórios sobre os estudos conduzidos pela Funai para embasar a demarcação de reservas indígenas. O primeiro a ser apresentado veio da Embrapa, que divergiu da análise da Funai sobre 15 áreas localizadas no oeste do Paraná, que, segundo a fundação, deveriam ser transformadas em reservas. A avaliação da Embrapa, contudo, relatou que a presença de índios nesses territórios é inexistente ou recente demais para justificar a delimitação de territórios indígenas.
    Outros quatro estados — Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul — aguardam a conclusão de relatórios paralelos aos documentos já elaborados pela Funai. Em caso de discordância, a Casa Civil deve repetir a paralisação das demarcações. Segundo dados da fundação, existem 123 áreas em estudo para serem tornadas reservas indígenas no país. Esses territórios compreendem hoje uma superfície de 66 mil hectares quadrados espalhados pelo Brasil.
    A intervenção do Planalto na Funai deve ir mais longe. Nos bastidores, o governo prepara uma mudança em toda a cúpula do órgão, a começar pela substituição da presidente, Marta Azevedo. O governo ainda estuda reduzir os poderes da fundação nos processos de demarcação de terras indígenas. Um decreto com modificações nesse sentido está em processo de elaboração no Ministério da Justiça.
    A expectativa é que a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anuncie essas medidas hoje, em audiência na Comissão de Agricultura da Câmara. Cobrada por entidades ligadas ao agronegócio desde o início do ano por mudanças na delimitação das terras indígenas, Dilma passou a ver com preocupação os conflitos entre produtores e índios, sobretudo pelo provável impacto que as disputas podem ter na corrida presidencial de 2014, servindo de munição para adversários. A convocação da ministra foi outro fator que irritou a presidente, que preferia deixar Gleisi concentrada na negociação da MP dos Portos na Casa.
    A postura do governo deve acirrar os ânimos entre ruralistas e índios. “Um dos problemas, hoje, é que o produtor rural não tem como fazer qualquer contestação a um laudo antropológico da Funai”, critica o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), defensor de mudanças no processo de definição de terras.
    Manobra
    Já o secretário executivo do Centro Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, vê na suspensão das demarcações uma manobra política. Segundo ele, há uma tentativa de se criar ambiente favorável à aprovação, pelo Congresso, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere a prerrogativa de delimitar essas terras para o Legislativo. A PEC ocasionou uma cena inusitada. No mês passado, centenas de índios de diversas etnias invadiram o plenário da Câmara em protesto contra a votação da proposta. Eles conseguiram que a discussão da PEC fosse adiada para o segundo semestre (ver memória). Dois dias depois, os manifestantes também protestaram em frente ao Palácio do Planalto.
    “O mais estranho é que essa movimentação está acontecendo como se a Funai estivesse acelerando o processo de demarcação de terras indígenas, mas não é isso que está acontecendo, ao contrário”, argumenta Buzatto. Nos cálculos do Cimi, a média de homologações de terras indígenas caiu de 10 por ano, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para cinco por ano, na administração Dilma. Buzatto ainda critica o envolvimento da Embrapa na manobra do governo: “A Embrapa não tem qualquer legitimidade para se manifestar acerca de procedimentos de demarcação de terras indígenas. Não há base legal que justifique a participação nesse processo”.
    O diretor do Instituto Socioambiental, Raul do Valle, também questiona a competência da Embrapa para elaborar um estudo técnico sobre a definição dos limites de territórios indígenas. “Se, de fato, houve uma ordem do Palácio do Planalto para paralisar as demarcações no Paraná com base nos estudos da Embrapa, é algo tanto ilegal quanto absurdo do ponto de vista técnico”, critica. Segundo o especialista, a ausência de índios em determinada região não é motivo para que se deixem de fazer estudos. “O fato de hoje não ter nenhum índio em uma área não afasta o fato de que ali pode ser uma terra indígena. Se os índios tivessem a terra, talvez nem estivessem pedindo a demarcação.”
    “A Embrapa não tem qualquer legitimidade para se manifestar acerca de procedimentos de demarcação de terras indígenas. Não há base legal que justifique a participação nesse processo”
    Cléber Buzatto, secretário executivo do Centro Indigenista Missionário
    Memória
    Plenário invadido
    Em 16 de abril, centenas de índios ocuparam o Congresso em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que tira do governo — sobretudo da Fundação Nacional do Índio (Funai) — a prerrogativa de demarcar terras indígenas, transferindo esse poder para o Legislativo.
    A situação ficou tensa à noite, quando os índios furaram o bloqueio dos seguranças da Câmara e invadiram o plenário da Casa, provocando correria entre os deputados. Para evitar o acirramento dos ânimos, a Polícia Legislativa foi instruída a deixar os índios no local. O líder do PV, Sarney Filho (MA), chegou a ser incumbido de negociar a saída, mas não obteve sucesso. A sessão do plenário foi suspensa. Possível candidata ao Palácio do Planalto em 2014, a ex-senadora Marina Silva estava presente na hora da invasão.
    Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em março do ano passado, a PEC estava pronta para ser analisada por uma comissão especial, criada na semana anterior à manifestação. Depois de se reunir com 12 representantes indígenas, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou a suspensão, por 45 dias, da escolha dos integrantes do colegiado, e os manifestantes aceitaram deixar o plenário. Dois dias depois, os índios cercaram o Palácio do Planalto. Eles cobravam o arquivamento da PEC e pediam audiência com Dilma Rousseff. A presidente, entretanto, não estava em Brasília. (KC)
    Petição internacional
    O Cimi e a organização Survival International assinaram petição enviada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em caráter de urgência, na qual acusa o Estado brasileiro de negligência e omissão em relação à situação dos índios Awá, no Maranhão. Segundo o ducumento, a sobrevivência dessa população está ameaçada por grupos de madeireiros, fazendeiros e colonos que ocupam ilegalmente as terras indígenas.
    Texto originalmente publicado no jornal Correio Brasiliense

  

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