sexta-feira, 23 de agosto de 2013

SOCIEDADE DO ESPETÁCULO






Para quem já assistiu aos filmes "A montanha dos sete abutres", "O quarto poder" ou "Show de Truman", é impossível não pensar em um deles ao observar o espetáculo midiático em que tem sido transformado o drama dos mineiros soterrados no Chile. A discussão, porém, vai além da mais  recente tragédia novelizada pela mídia.

Novelas e telejornais, há tempos, têm mostrado uma afinidade temática e estilística incrível. Quando assistimos a telejornais, deparamo-nos com melodramas, micronarrativas repletas de elementos ficcionais, envoltos em enquadramentos de câmera e trilhas sonoras que remetem a produções novelescas. Quando há cobertura de alguma nova "tragédia", a semelhança se aprofunda ainda mais: assim como nas novelas, a cada novo capítulo, são alimentadas expectativas; nos telejornais, mais e mais elementos da nova "trama" aguçam a fidelização de um público sedento pelo espetáculo. 

Na mesma proporção,  novelas são invadidas pela "realidade" de temas "atuais". Assim, elementos do real são abordados de modo que simule os dramas de quem os acompanha.


Na ânsia de construir tramas novelísticas, o que ocorre é a espetacularização dos fatos, sobretudo das tragédias reais que atingem pessoas reais. Como nem sempre se consegue algo realmente "novo" para seguir a audiência, é comum que sejam difundidos boatos, fofocas e fatos irrelevantes. A "novelização" sobrepõe a emoção à  razão e, assim, instiga histerias como a de pessoas que tomam para si as dores dos outros, planejam mentalmente  linchamentos e/ou vingança.





Nada disso ocorre de modo ingênuo e despretensioso.  Pelo contrário, a Sociedade do espetáculo, abordada por Guy Debord, pressupõe a fusão do real e do ficcional. A manipulação leva o homem a ser governado por algo que ele próprio criou. 


"Os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homens".  MacLuhan

Diante dessa "recriação" da vida humana, feita pela sociedade do espetáculo, o conceito de "simulacro", de Jean Baudrillard, merece atenção. O real já não tem espaço de ocorrer. Aquilo que as pessoas consideram"real", na verdade, constitui uma simulação do real, feita pelos meios de comunicação de massas. Há um reino absoluto da simulação: na internet, nos programas televisivos, nos jogos eletrônicos. Na sociedade contemporânea, a imagem vale mais que o objeto, o simulacro mais que o real. 


PROPOSTA DE REDAÇÃO


- Elabore um editorial sobre o tema para ser publicado num jornal de circulação nacional. Não ultrapasse 26 linhas.
ou
- Redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema. Não ultrapasse 35 linhas.

Em tempos de Bruno, Nardoni, homens na caverna chilena, discutir isso parece inadiável.
Preparei uma coletânea para discutir essas questões que envolve a análise feita pelos dois autores citados, um excelente artigo de Sonia Correa e mais alguns textos interessantes do último vestibular da UNIFESP que discutia as telenovelas.
Se quiser treinar mais, leia também este post.





A Montanha dos Sete Abutres, Show de Truman e o Big Brother dos mineiros soterrados no Chile

Pela segunda vez o filme A MONTANHA DOS SETE ABUTRES me serve de inspiração para escrever. Assisti o filme de 1951, na faculdade de jornalismo na aula do professor Miro Bacin, na Unisinos. Sem dúvida, o filme vale quase um curso completo de periodismo, pois contém diversos elementos do ofício de comunicar.


Agora, o que me leva a escrever sobre o filme é outro tema, que vem inquietando o povo no mundo inteiro: os mineiros soterrados no Chile, que poderão ficar meses sob a terra.

Para quem não assistiu ao filme, Tatum (Kirk Douglas) é um jornalista – como muitos que conhecemos - que nunca primou pela ética e após perder emprego em grandes jornais, obrigou-se a trabalhar num pequeno jornal do interior. O jornalista está disposto a qualquer coisa para reconquistar um posto em um grande jornal e não mede consequências para isso.

Suas pautas interioranas o desagradam, mas é numa destas pautas que ele encontra o “grande fato” para voltar a angariar notoriedade. Em uma viagem Tatum depara-se com um soterramento de uma caverna e, dentro dela está Leo Minosa, que tornar-se-á o grande objeto da espetacularização da vida, para a grande matéria do inescrupuloso jornalista.  Aliás, ele afirma, em suas lições deste tipo de jornalismo que “a morte de centenas ou milhares de pessoas não tem o mesmo interesse que a morte de uma única pessoa”.

Tatum não tem qualquer interesse na veracidade da notícia e para garantir o sucesso de seu objetivo, se utiliza da corrupção das autoridades e pessoas do lugarejo onde transcorre a trama. A preocupação do jornalista Tatum é sua autopromoção e para isso se utiliza de qualquer meio, como a manipulação de fatos, a venda da notícia dramatizada, entre outros macetes usados por ele.
Não vou contar o filme, pois acho que quem não o viu, deveria assistir. Mas, voltando ao caso do mineiros soterrados, que eu espero que não tenha o mesmo desfecho que teve Leo Minosa, estamos diante de um Big Brother da vida real. Imagine que vamos assistir o drama destes trabalhadores pelos nossos televisores durante, pelo menos, quatro meses.

Agora, imaginem se algum deles morre lá dentro da mina? O que fará o (os) "Tatum" (s) dos dias atuais?

A comparação com o filme A Montanha dos Sete Abutres, também poderia ser substituída pelo Show de Truman. O fato é que o drama das pessoas virou espetáculo. O Fantástico show da vida. Ou da morte!
Guy Debord - A Sociedade do espetáculo





Com a presença incessante dos meios de comunicação de massa o homem passa a ser e a viver uma vida sonhada e idealizada, onde a ficção mistura-se à realidade, e vice-versa, incorporando-se a realidade vivida pelo indivíduo. Interessante citar, e tudo leva a crer que, a partir das idéias de Debord, Eugênio Bucci apresenta as cinco leis não escritas (não explicitadas) da televisão brasileira no livro Brasil em Tempos de TV (Boitempo Editorial, 1997). Sendo a principal o efeito sanduíche realidade-ficção/ficção-realidade: os telejornalismos (o reino da realidade) se organizam como melodramas (o reino da ficção), e as novelas (reino da ficção) vai se alimentar no reino da realidade. Quem nunca viu os problemas do mundo real sendo explicitados nas telenovelas? Decorre daí que o reino da notícia bebe no da ficção, e vice-versa. Emoção e razão formatam o pêndulo a ser seguido. Produzindo um entendimento parcial, fragmentado, e nunca pleno do mundo dos acontecimentos. Num desdobramento, este plano de ação por parte das emissoras perpassa toda a programação da televisão, principalmente no horário noturno. O esquema é o seguinte: um programa alicerçado no real (noticiário, documentário, grandes reportagens, etc.) e em seguida outro no reino da ficção (novelas, filmes, etc.), e por aí vai se alternando. Debord, enfaticamente, observa que esta imagem manipulada da realidade pelos meios de comunicação de massa faz com que um outro reino, o das emoções (raiva, felicidade, etc.), assim como a justiça, a paz e a solidariedade sejam apresentadas como espetáculos. Os meios de comunicação de massa criam a partir daí uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios de julgamento e justiça conforme os seus conceitos manipuladores.
(Sociedade do Espetáculo - Guy Debord)

JEAN BAUDRILLARD, a simulação desencantada
José Aloise Bahia

Na sua grande totalidade, a programação da televisão desempenha um papel fundamental ao simular através das imagens o mundo dos acontecimentos, através de informações e notícias, significando o mascaramento da diferença entre o real e o imaginário, entre o ser e a aparência. Elas potencializam o simulacro, o qual é passado como se fosse o real. A TV como a fotografia e a policromia embelezam, enfeitam, espetacularizam o real. Fabricam um hiper-real, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. Acresce-se a isto cada vez mais no plano técnico e artificial, instrumentos intensificadores do hiper-real, a utilização da internet, sites, e-mails, telefones e programas de edição e simuladores em computadores num contínuo show de simulação do espaço hiper-real e espetacular, que mexe com o desejo de consumo de todos.
Este hiper-real simulado é fascinante, pois é o real intensificado na forma, cor, tamanho e propriedades. Parece um mundo de sonhos, que existe para nos servir, e que nos modela através da publicidade com suas imagens sedutoras. O mais certo neste ambiente é que entre as pessoas estão a tecnologia e as suas mensagens, notícias, suportes e imagens criadas. Na sua totalidade, a mediação não é mais feita de homem para homem, e sim a partir destes meios, ou seja, de simulações. A função dos meios de informação agora não é somente informar, mas também refazer o mundo a sua maneira e voz, é hiper-realizar o mundo e transformá-lo em espetáculo.
O Povo Tasaday - Um exemplo bastante grotesco de como atua o simulacro a partir da televisão é a história da criança que nunca tinha visto uma galinha na vida. Esta criança fora criado até os seus cinco anos num grande centro urbano e nunca tinha ido à zona rural. Num belo final de semana, os pais levaram-na para passear pelo interior do país. Assim que a família chega ao hotel fazenda foram para um imenso quintal. Após alguns minutos, a criança retorna de forma animada e afirma para sua mãe: “Venha ver a novidade, venha ver a novidade!”. “O que foi?” Perguntou a mãe. A criança de imediato responde: “Mamãe, venha depressa, acabei de ver um Knorr”. Este é o ponto nevrálgico da implosão do signo lingüístico: o signo galinha confunde-se com a própria manufatura, o Caldo de Carne Knorr. A isto, Baudrillard chama de implosão do sentido causado pela mídia no signo. O signo verdadeiro (galinha) perde o seu sentido original, e é ultrapassado pelo seu simulacro (a mercadoria Caldo de Carne Knorr divulgado na TV), a qual tem uma figura (imagem) de uma galinha branca (carijó) num fundo amarelo. Esta imagem mental (a galinha no fundo amarelo) é o fator contaminador, no nosso exemplo, do processo de implosão do signo lingüístico. Eis a realidade virtual.
(Simulacros e Simulações - Jean Baudrillard)


TEXTOS DA PROPOSTA DA UNIFESP SOBRE NOVELAS
Texto 1
(www.raulmarinhog.files.wordpress.com/2009/03/novela1.jpg Adaptado.)
Texto 2
Considerar a telenovela um produto cultural alienante é um tremendo preconceito da universidade. Quem acha que novela aliena está na verdade chamando o povo de débil mental. Bobagem imaginar que alguém é induzido a pensar que a vida é um mar de rosas só por causa de um enredo açucarado. A telenovela brasileira é um produto cultural de alta qualidade técnica, e algumas delas são verdadeiras obras de arte.
Ela é educativa no sentido de levantar certas discussões para um público relativamente pouco informado. Na década de 70, os autores faziam isso de maneira mais sutil. Nos dias atuais, sem a censura, as discussões podem ser mais abertas.
O problema não está no que a novela transmite, mas na maneira como o assunto é debatido. O que precisa mudar com a máxima urgência é essa situação em que os educadores ignoram a existência da novela. As novelas estão aí, fazem um sucesso danado e mexem ência é essa situação em que os educadores ignoram a existência da novela. As novelas estão aí, fazem um sucesso danado e mexem com a cabeça da moçada. Eu diria até que alienam menos que os telejornais.
Como a novela é considerada um subproduto, as pessoas preferem dizer que foram a um concerto de música clássica a dizer que ficaram em casa vendo novela, como na verdade gostariam. A pessoa pode até ter dormido durante o concerto, mas acha que é mais chique. Uma bobagem, porque a telenovela é o grande produto cultural brasileiro, maior que a literatura e a música.
(Trechos adaptados da entrevista da professora Maria Aparecida Baccega, da USP, à revista Veja, em 24.01.1996.)
Texto 3
Não vejo novelas. A última que me prendeu ao sofá foi escrita pelo Dias Gomes, que era um craque. Hoje, 15 segundos de novela bastam para me matar de tédio. Os mesmos personagens, o mesmo enredo, as mesmas caretas, as mesmas frases idiotas, as mesmas cenas toscas, a mesma história chata.
As novelas são ridículas. Há um provérbio – que dizem ser francês – que assegura que “o ridículo mata”.
(Roberto Gomes. Gazeta do Povo, 16.08.2009.)
Texto 4
A dramatização e a representação da vida conquistaram – não por acaso – o privilégio do melhor horário noturno, pois mexem com mecanismos mentais muito fortes e decisivos. A telenovela não é uma imposição forçada nem um mecanismo de fuga. Não se confunde com o sono, com o uso da droga ou do álcool nem tenta escapar das obrigações sociais; ao contrário, o grande público busca, pela telenovela, entrar inteiramente no social, no conhecimento e no domínio das regras da sociedade.
J.S.R. Goodlad, autor dessa tese, afirma que o motivo de se assistir às telenovelas é que por meio delas as pessoas podem ordenar e organizar sua vivência social segundo o que é permitido na sociedade, ou seja, de acordo com o “comportamento social adequado”.
Se o drama, segundo ele, assumiu anteriormente a função social através dos mitos, dos contos populares e dos rituais, é a telenovela que hoje atua como método de controle social.
Diante de uma vida problemática e sem esperanças, da necessidade de ganhar dinheiro, de ter uma casa ou um negócio próprio, de encontrar um companheiro, diante das exigências do trabalho, das contas a pagar e dos compromissos, a esfera emotiva das pessoas retrai-se. A vida que a televisão mostra é então, para o homem e para a mulher, uma verdadeira troca, com vantagens, de sua vida real. (...) Ela é o alimento espiritual desse corpo cansado, sugado e exaurido pelo trabalho industrial na linha de montagem, pelo
trabalho burocrático no banco ou na repartição, pelo trabalho enfadonho dos escritórios e das lojas.
(Ciro Marcondes Filho, Televisão: a vida pelo vídeo.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário