sábado, 29 de junho de 2013

Vídeos de arte

abble.org/video/smarthistory-khan-academy/d-rer-four-apostles-1526

“Ninguém mandou você perguntar”. Último texto de Teresa Urban.

http://zelmar.blogspot.com.br/2013/06/ninguem-mandou-voce-perguntar.html

o rótulo de hediondo, como se os outros crimes fossem adoráveis ou coisa parecida.

9/06/2013 - 03h30

Alberto Zacharias Toron: Um novo rótulo


Parece que virou moda. Agora não basta mais que a conduta seja criminosa, o que, por definição, já é algo ruim e nocivo. É preciso um "plus": o rótulo de hediondo, como se os outros crimes fossem adoráveis ou coisa parecida.
A medida, aprovada pelo Senado, além de ineficaz, traduz um oportunismo político inacreditável. Não que se deva ter alguma condescendência com a corrupção. A questão é outra.
Quando, em julho de 1990, principalmente em razão dos inúmeros sequestros, editou-se a Lei dos Crimes Hediondos com vistas à imposição de um tratamento processual, penal e penitenciário mais rigoroso, esperava-se um descenso nesse tipo de criminalidade.
Para tanto, impediu-se o juiz de conceder fiança e liberdade provisória, isto é, o direito de o acusado aguardar o desfecho da ação penal em liberdade. Elevaram-se as penas de diferentes delitos e, por fim, revogou-se o direito de o condenado, mesmo que de bom comportamento, passar de um regime penitenciário rigoroso para um mais brando como o semiaberto ou o aberto.
Na verdade, com essas medidas, queria-se aplacar uma voz que é forte nos meios policiais e num certo tipo de imprensa que dizia: "A polícia prende e o juiz solta".
Passados mais de 20 anos da vigência da Lei dos Crimes Hediondos, verifica-se que, embora não tenha resolvido a problemática da elevação dos níveis da criminalidade violenta, ela serviu unicamente para calar ou acalmar aqueles setores da opinião pública que pensam que o crime aumenta ou diminui em razão de penas mais altas e de um maior rigor carcerário.
A constatação do erro dessa visão não decorre de uma ideologia humanista. Fala em favor disso a simples observação dos fatos noticiados pelos jornais no dia a dia.
Agora, a cada novo escândalo, a falta de efetividade do Estado em termos práticos é "compensada" com a edição de leis. Cria-se uma espécie de modelo álibi. Repete-se a estratégia dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. No último, ampliou-se o rol dos crimes hediondos e, o que é pior, de uma maneira desastrosa (incluindo-se, para se ter uma ideia, até a fraude em cosméticos, como se tivessem a mesma importância que remédios).
Desvia-se, com isso, a atenção do que é o essencial: a vontade política no combate à corrupção e a necessidade do aprimoramento dos controles administrativos mais rápidos e eficazes.
Em 9 de julho de 2009, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado realizou uma importante audiência pública para discutir a colocação da corrupção no rol dos crimes hediondos. Estiveram presentes representantes da Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação dos Magistrados Brasileiros e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Todas as entidades foram contrárias à ampliação do rol dos crimes hediondos.
Naquela oportunidade, o subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, que é também professor da Universidade de Brasília, lembrou que a expressão crimes hediondos ("heinous crime") foi utilizada pela primeira vez no Tribunal de Nuremberg, que julgou os criminosos nazistas pelas atrocidades praticadas durante a Segunda Guerra Mundial. Com propriedade, ele lembrou: "Crime hediondo é um crime que afeta um número enorme de vítimas. Não são crimes quaisquer. Banalizar essa expressão faz mal ao direito penal".
A melhor resposta que se possa dar à corrupção não é uma nova lei, mas o aprimoramento dos mecanismos de controle e a celeridade na apuração dos crimes. Fora daí, o que se vê é uma manobra diversionista.
ALBERTO ZACHARIAS TORON, 54, é advogado, doutor em direito pela USP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e autor de "Crimes Hediondos: o Mito da Repressão Penalhttp://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1303448-alberto-zacharias-toron-um-novo-rotulo.shtml

Protestar é um dever intelectual, diz escritor egípci


PUBLICIDADE
 
DIOGO BERCITO
DE JERUSALÉM
Quando as ruas forem tomadas no Egito, no domingo (29), Alaa al-Aswany estará entre a multidão que pedirá pela saída do presidente Mohamed Mursi, que no fim deste mês completa um ano de seu governo em meio a protestos.
Expoente da literatura contemporânea egípcia e um dos rostos da revolução, ele afirma em entrevista à Folha que manifestar-se, afinal, é sua obrigação intelectual.
"Escrever é uma defesa artística dos valores humanos. Se há milhões enfrentando a poeira nas ruas, um escritor não pode ficar em casa."
Asmaa Waguih/Reuters
Alaa al-Aswany em um protesto contra Mohamed Mursi
Alaa al-Aswany em um protesto contra Mohamed Mursi
A Companhia das Letras lançou neste mês "E Nós Cobrimos seus Olhos" (216 págs., R$ 39,50), coletânea de histórias de Aswany.
O livro se amigará nas estantes com o "O Edifício Yacubian", em que o escritor descrevera --no começo dos anos 2000, bem antes da revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak, em 2011-- as inconsistências da sociedade. Ambos são testemunhas do estilo realista do autor, que nota que "não é preciso nenhum talento para escrever um texto que ninguém entende".
Aswany, que diz ter estudado espanhol para ler Gabriel García Márquez no original, afirma que o escritor colombiano é seu ídolo por ter resgatado o romance.
"Márquez salvou o livro do estilo misterioso que faz o romance parecer um pequeno produto experimental."
A obra de Aswany é marcada pela visão apurada do drama humano em um país empobrecido e coberto pela areia da corrupção. Mas ele diz que não escreve como "manifesto pela mudança".
"Não acho que a literatura deva ser usada como instrumento político. Se você quer ação real, tem de ir às ruas."
Recusado pelo Ministério da Cultura três vezes por ser crítico ao regime, o lançamento de "E Nós Cobrimos seus Olhos" vem como uma vitória contra a censura.
"Eles me ignoraram por anos. Quando tive sucesso, tentaram me dar um prêmio e eu recusei. Quiseram me usar como propaganda."
Mas Aswany não acredita que, derrubado o ditador, o país tenha avançado. "A Irmandade Muçulmana classifica os autores entre aqueles que apoiam o governo e os que são contra ele", afirma.
"Nós ainda não alcançamos a mudança que motivava a revolução. Hoje, temos outro Mubarak no poder. Continuaremos a resistir."http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1303063-protestar-e-um-dever-intelectual-diz-escritor-egipcio.shtml

Profissionais do sexo devem ter o mesmo direito de outros escravizados, diz comissão




Leonardo Sakamoto
Profissionais do sexo flagrados em situação análoga à de escravos não conseguem, historicamente, receber os benefícios destinados às vítimas dessa forma de exploração por conta da situação em que estão ser considerada ilícita.
A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne ministérios e entidades da sociedade civil, constatando isso e motivada pelo flagrante de escravidão em um bordel em Altamira (PA), que atendia aos canteiros das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, divulgou uma nota pública a respeito. Para a Conatrae, os escravos libertados devem ter o mesmo direito enquanto trabalhadores, sejam eles empregados na agropecuária, extrativismo, indústria, comércio, oficinas de costura, canteiros de obras ou exploração sexual. Ou seja, mesmo que as relações de trabalho sejam ilegais.
A prostituição é reconhecida como ocupação regular, fazendo parte da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), e os profissionais do sexo devem contribuir, inclusive, com a Previdência Social, tendo direito a salário-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria. Contudo, manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual é proibido por lei, como prevê o artigo 229 do Código Penal. Em outras palavras, prostituição não é ilegal, mas a exploração da prostituição é. Por conta dessa relação trabalhista ser proibida, os trabalhadores envolvidos acabam por ver navios.
O flagrante em Altamira foi divulgado por este blog em fevereiro. As mulheres eram confinadas em pequenos quartos sem janelas e ventilação, com apenas uma cama de casal, e havia cadeados do lado de fora das portas. A polícia encontrou um caderno onde eram anotadas as dívidas, como gastos com passagens, alimentos, e vestimentas, além de “multas” por motivos diversos. As garotas disseram ter medo de retaliações, uma vez que o dono da boate teria ameaçado seus familiares que moravam no Sul. Uma das adolescentes resgatadas contou que, assim que uma delas, uma jovem de 16 anos, conseguiu fugir, o gerente a seguiu com uma arma.
A alegação de que a exploração do trabalho de profissionais do sexo em bordéis é ilegal, não raro, acaba por desautorizar o auditor fiscal do trabalho a agir diante das infrações constatadas. De acordo com a nota, no caso de Altamira quem atuou foi a Polícia Civil, mas poderia ter sido o Ministério do Trabalho e Emprego. A nota lembra que a atividade de exploração de prostituição em boate vem sendo exercida sob outra denominação, tal como garçonete, garçom, barmaid para esconder o real empregos das pessoas. Esse “macete” aplicado por alguns auditores, aliás, não é novo.
De acordo com a nota, em um caso semelhante registrado em Várzea Grande (MT), em dezembro de 2010, a atividade inserida nos autos de infração acabou sendo a de dançarina. Dessa forma, as 24 pessoas resgatadas tiveram assim acesso aos direitos previstos em caso de libertação, como: seguro-desemprego durante um período de três meses após o resgate e inserção prioritária em políticas sociais.
Vale lembrar que, ainda hoje, um argumento parecido é usado por alguns membros da Polícia Federal para deportar imigrantes bolivianos, paraguaios, entre outros, flagrados em situação de trabalho escravo, principalmente em oficinas de costura. Como a situação de alguns deles é irregular, eles são encaminhados para fora do país, desconsiderando sua situação de vítimas. Apesar do Protocolo de Palermo, do qual o Brasil é signatário, especificar que elas devem ser protegidas. E da própria chefia da PF ter transmitido aos delegados e agentes que a deportação não deve ser adotada nesses casos.
A Conatrae reforça, através da nota, que não importa se a atividade é legal ou não ou se a pessoa está ou não em situação ilegal. Também não importa se concordemos ou não com a existência de profissionais do sexo. Se eles forem vítimas, devem ser tratados como tal, sem preconceito ou discriminação, atendendo, dessa forma, aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O preço do progresso e os dois Brasis

POR 
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

130620-belomonte
Manifestantes interrompem obra, em protesto contra a usina de Belo Monte
Protestos foram enorme surpresa internacional. Para entendê-los, deve-se examinar as agendas interrompidas no governo Dilma – e a que se impôs
Por Boaventura de Sousa Santos
Com a eleição da Presidente Dilma Roussef, o Brasil quis acelerar o passo para se tornar uma potência global. Muitas das iniciativas nesse sentido vinham de trás mas tiveram um novo impulso: Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, Rio +20, em 2012, Campeonato do Mundo de Futebol em 2014, Jogos Olímpicos em 2016, luta por lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, papel ativo no crescente protagonismo das “economias emergentes”, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), nomeação de José Graziano da Silva para diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2012, e de Roberto Azevedo para diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, a partir de 2013, uma política agressiva de exploração dos recursos naturais, tanto no Brasil como em África, nomeadamente em Moçambique, favorecimento da grande agricultura industrial sobretudo para a produção de soja, agro-combustíveis e a criação de gado.
Beneficiando de uma boa imagem pública internacional granjeada pelo Presidente Lula e as suas políticas de inclusão social, este Brasil desenvolvimentista impôs-se ao mundo como uma potência de tipo novo, benévola e inclusiva. Não podia, pois, ser maior a surpresa internacional perante as manifestações que na última semana levaram para a rua centenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país.
Enquanto perante as recentes manifestações na Turquia foi imediata a leitura sobre as “duas Turquias”, no caso do Brasil foi mais difícil reconhecer a existência de “dois Brasis”. Mas ela aí está aos olhos de todos. A dificuldade em reconhecê-la reside na própria natureza do “outro Brasil”, um Brasil furtivo a análises simplistas. Esse Brasil é feito de três narrativas e temporalidades. A primeira é a narrativa da exclusão social (um dos países mais desiguais do mundo), das oligarquias latifundiárias, do caciquismo violento, de elites políticas restritas e racistas, uma narrativa que remonta à colônia e se tem reproduzido sob formas sempre mutantes até hoje. A segunda narrativa é a da reivindicação da democracia participativa que remonta aos últimos 25 anos e teve os seus pontos mais altos no processo constituinte que conduziu à Constituição de 1988, nos orçamentos participativos sobre políticas urbanas em centenas de municípios, no impeachment do Presidente Collor de Mello em 1992, na criação de conselhos de cidadãos nas principais áreas de políticas públicas especialmente na saúde e educação aos diferentes níveis da ação estatal (municipal, estadual e federal). A terceira narrativa tem apenas dez anos de idade e diz respeito às vastas políticas de inclusão social adotadas pelo Presidente Lula da Silva a partir de 2003 e que levaram a uma significativa redução da pobreza, à criação de uma classe média com elevado pendor consumista, ao reconhecimento da discriminação racial contra a população afrodescendente e indígena.
O que aconteceu desde que a Presidente Dilma assumiu funções foi a desaceleração ou mesmo estancamento das duas últimas narrativas. E como em política não há vazio, o espaço que elas foram deixando de baldio foi sendo aproveitado pela primeira e mais antiga narrativa que ganhou novo vigor sob as novas roupagens do desenvolvimento capitalista todo o custo, e as novas (e velhas) formas de corrupção. As formas de democracia participativa foram cooptadas, neutralizadas no domínio das grandes infraestruturas e megaprojetos e deixaram de motivar as gerações mais novas. As políticas de inclusão social esgotaram-se e deixaram de corresponder às expectativas de quem se sentia merecedor de mais e melhor. A qualidade de vida urbana piorou em nome dos eventos de prestígio internacional que absorveram os investimentos que deviam melhorar transportes, educação e serviços públicos em geral. O racismo mostrou a sua persistência no tecido social e nas forças policiais. Aumentou o assassinato de líderes indígenas e camponeses, demonizados pelo poder político como “obstáculos ao desenvolvimento”.
A Presidente Dilma foi o termômetro desta mudança insidiosa. Assumiu uma atitude de indisfarçável hostilidade aos movimentos sociais e aos povos indígenas, uma mudança drástica em relação ao seu antecessor. Lutou contra a corrupção, mas deixou para os parceiros políticos mais conservadores as agendas que considerou menos importantes. Foi assim que a Comissão de Direitos Humanos, historicamente comprometida com os direitos das minorias, foi entregue a um pastor evangélico homofóbico e promove uma proposta legislativa conhecida como “cura gay”. As manifestações revelam que, longe de ter sido o país que acordou, foi a Presidente quem acordou. Com os olhos postos na experiência internacional e também nas eleições presidenciais de 2014, a Presidente Dilma tornou claro que as respostas repressivas só agudizam os conflitos e isolam os governos. No mesmo sentido, os prefeitos de nove capitais já decidiram baixar o preço dos transportes. É apenas um começo. Para ele ser consistente é necessário que as duas narrativas (democracia participativa e inclusão social intercultural) retomem o dinamismo que já tiveram. Se assim for, o Brasil estará a mostrar ao mundo que só merece a pena pagar o preço do progresso aprofundando a democracia, redistribuindo a riqueza criada e reconhecendo a diferença cultural e política daqueles para quem progresso sem dignidade é retrocesso.http://outraspalavras.net/2013/06/20/o-preco-do-progresso-e-os-dois-brasis/


Vídeo. A democracia além do direito democrático

http://www.youtube.com/watch?v=WzUY5AltaWM

LEITURA***Plebiscito: cinco perguntas perigosas ao povo

Plebiscito: cinco perguntas perigosas ao povo

130627-ReformaPolíticaB
Basta lê-las para compreender por que a mídia e os conservadores rejeitam a Reforma Política, a Constituinte e mesmo a consulta aos eleitores
Por Antonio Martins
O sociólogo Manuel Castells costuma dizer que o principal instrumento de manipulação usado pelas mídias de massa não é a distorção, mas o ocultamento dos fatosEle se deliciaria com as primeiras páginas de hoje dos três jornais brasileiros mais vendidos.
Reforma Política, Plebiscito Constituinte são, obviamente, as três principais novidades na agenda nacional. Dialogam diretamente com algo que se sente todos os dias, e que as ruas expressaram com clareza, nas últimas semanas: o descrédito do sistema político. Pois bem: nas capas de hoje da Folha, do Estado e do Globo, estas três palavras perigosas estão literalmente banidas. Desapareceram não só da manchete e demais títulos, mas também dos textos. Comparecem, é claro, nas páginas internas, muito menos lidas. Aí são tratados como “descabelada proposta” (editorial do Estado), “proposta impraticável” (artigo de José Serra no mesmo jornal), “cheque em branco” (opinião do ministro da STF Ayres Britto, destacada pelo Globo) ou “populismo danoso” (texto do diretor da sucursal de Brasília da Folha). Exceção que confirma a regra: este último jornal publicouimportante artigo de Tarso Genro a favor da Constituinte.
Para compreender ainda melhor por que os poderosos temem o plebiscito, vale um exercício. Vamos examinar algumas das perguntas que poderiam ser apresentadas aos eleitores. Eis, apenas para alimentar o instrutivo debate, algumas sugestões. Participe também: para apresentar suas ideias, use os comentários do blog.
Cinco perguntas perigosas ao povo:
1. Você concorda que as empresas devem ser proibidas de financiar políticos e partidos?
2. Você considera que a Lei 9.709 deve ser alterada, de modo a facilitar a convocação de Plebiscitos e Referendos (inclusive por iniciativa dos cidadãos), e a ampliar os mecanismos de democracia direta, inclusive por meio da Internet?
3. Você é a favor de limitar as reeleições, para todos os postos dos poderes Executivo e Legislativo a dois mandatos?
4. Você considera que as eleições brasileiras, para os poderes Executivo e Legislativo, devem admitir candidaturas de pessoas não ligadas a partidos políticos?
5. Você concorda com a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte voltada para a reforma do sistema político?

LEITURA Democracia colaborativa só aconteceu na Islândia por pressão popular, diz constituinte


Opera Mundi - 25/06/2013 - 10h51

Apesar da falta de vontade dos políticos tradicionais de “dividir o poder”, os cidadãos devem pressioná-los para elevar sua participação nas decisões que afetam suas próprias vidas. Essa é a opinião de Eiríkur Bergmann, professor da Escola de Ciências Sociais da Bifröst University e um dos 25 integrantes da comissão responsável pela elaboração da proposta de nova Constituição da Islândia em 2012, um processo que foi feito com ajuda da população via Facebook e Twitter.
A ideia inovadora de participação popular via internet aplicada na Islândia após a crise dos bancos de 2008 apareceu nos protestos pacíficos conhecidos como “Revolução das Panelas e Frigideiras”. Quando os integrantes da constituinte foram eleitos para fazer uma nova Carta Magna que substituísse a vigente desde 1944, quando o país se tornou independente e praticamente copiou a mesma Constituição da Dinamarca, convidaram a população a enviar sugestões em redes sociais e pelo site oficial do processo. “Publicávamos tudo o que estávamos escrevendo, ainda que não estivesse pronto. Dessa forma, as pessoas davam sua opinião e nós revisávamos e melhorávamos o texto”, contou Bergmann.
O professor, que esteve em Porto Alegre em maio para participar do Conexões Globais, um evento da Secretaria de Inclusão Digital sobre participação popular via internet, defende que a tecnologia está se inserindo dentro do universo da democracia. No entanto, isso não significa uma quebra de paradigmas. “Não vejo essa mudança como um novo tipo de democracia, uma substituição completa da democracia participativa, mas sim como um complemento”, afirma.
Ele afirma que o processo de elaboração do texto da nova Constituição islandesa, que posteriormente foi aprovada pela população, mas empacou quando chegou ao Parlamento, só foi possível porque, além de 95% da população local estar conectada, havia um clima de insatisfação que fez aumentar a responsabilidade dos cidadãos para melhorar a situação do país. Para Bergmann, a Islândia é um exemplo até para o Brasil. “No momento que o acesso à tecnologia aumenta, cresce também a possibilidade de participar de forma direta da democracia”, diz.
A ideia islandesa já foi copiada em países como Irlanda, Bélgica, Holanda, Canadá e, recentemente, até no processo de diálogo de paz entre o governo da Colômbia e a as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), para o qual um site foi criado para receber as sugestões dos cidadãos nas negociações. Eiríkur Bergmann acredita que o Brasil tem potencial para fazer algo semelhante e justifica citando como exemplo os movimentos políticos da década de 1980, como as Diretas Já e o Fora Collor. “O Brasil tem um histórico bastante interessante de participação. Acho que existe pelo menos uma boa parte da população brasileira que participou de exercícios democráticos desse tipo”, defende.
Confira os principais trechos da entrevista concedida por Eiríkur Bergmann:
Opera Mundi: O senhor acredita que esse modelo de participação popular via internet que deu certo em seu país pode funcionar também em outras partes do mundo?
Eiríkur Bergmann: Estamos em um momento de mudança em termos de democracia. Nas ultimas décadas e séculos, nós éramos parte de uma democracia de representação, mas agora há um processo de mudança que está transformando em modelos mais participativos de democracia. Na Islândia, a população fez parte da criação da Constituição depois de uma profunda crise marcada pela democracia representativa.
Acho que é preciso diferenciar a democracia representativa, mais antiga, desse novo modelo de democracia mais avançado. Não estou dizendo que esse novo modelo vai substituir a “velha” democracia, mas sim que pode ser um complemento. Agora na Irlanda está acontecendo uma convenção da Constituição que também acontece em outros países como Holanda, Bélgica, Canadá e aqui em Porto Alegre também, essa é a magnificência da democracia participativa. A questão é que nós estamos esperando por esse momento há muito tempo. A tecnologia está avançada o suficiente e sinto que somente agora ela é capaz de espalhar as ideias democráticas mais além. Nós temos a tecnologia há 20 anos, mas não tínhamos uma população conectada. No entanto, acredito que o maior desafio será a classe política... Eles não são muito bons em dividir o poder com o povo, os cidadãos devem pressionar para que isso aconteça.
OM: Como o senhor avalia essa democracia colaborativa no Brasil? O senhor acredita que tecnologia e democracia podem trabalhar juntas em um país como o Brasil?
EB: Sim, acho que sim. Creio que até mais aqui no Brasil do que em outros países, pois vocês têm uma herança muito interessante em termos de participação. Me parece que pelo menos parte da população brasileira participa desse tipo de processo democrático e, por isso, o Brasil estaria numa posição privilegiada para fazer um grande projeto como a Constituição. Mas, para isso, o governo precisa demonstrar interesse e, geralmente, ele só se interessa em fazer o que o povo pressiona eles a fazer. Basicamente, creio que está nas mãos do povo. Acredito que esse tipo de exercício será cada vez mais comum.
OM: O senhor acredita que um processo como a constituinte colaborativa seria possível no Brasil? Na Islândia, a maioria das pessoas tem acesso à internet e, no Brasil, a metade...
EB: Sim, esse é o problema em outros lugares também, pois mesmo estando presente, [a tecnologia] não é de acesso a todos. Eu só gostaria de deixar claro que na Islândia a Constituição ainda não foi ativada, está no Parlamento e, como não temos um governo muito favorável no momento, não sabemos ao certo como será o final. Mas, sim, a internet ajudou a Islândia com uma população em que 95% têm acesso à internet e somos gratos por essa ferramenta. Além disso, a Islândia é um país pequeno, o que torna mais fácil que isso seja possível. Aqui é muito mais diversificado, mas isso também não significa que não possa ser feito.
OM: Então o senhor acredita que isso pode ser feito em países maiores?
EB: Claro que sim. Nós estamos em um estágio bem inicial nessa mudança de modelo democrático. Talvez devêssemos dar uma olhada na história. A Grécia, por exemplo, atingiu um estado democrático dessa maneira. Quando você tem pessoas unidas lutando por algo, aí chegamos à democracia representativa. De certa maneira estamos voltando a desenvolver esse mecanismo para podermos avançar. Eu acho que precisamos de mais exercícios como esse que está ocorrendo em Porto Alegre, outros na América do Sul, na Islândia e em outros países da Europa. Acredito que quando esses exemplos começarem a se acumular, será muito mais fácil avançar na integração democrática, não apenas conversando como estamos fazendo agora, mas ativamente.
OM: Como os políticos e o governo viram o processo que está ocorrendo na Islândia?
EB: A relação foi muito difícil porque o colapso de 2008 não foi somente uma crise econômica, mas também uma crise política e de identidade. As pessoas estavam gritando contra isso e então tivemos uma espécie de mini revolução, não de forma agressiva, pois nenhum sangue foi derramado. Uma das principais reivindicações era uma nova Constituição e a razão para isso tem raízes históricas. Foi por pressão popular que o governo concordou desenvolver uma nova Constituição. Mas a relação entre Parlamento e governo sempre foi difícil e, mesmo quando a Constituição foi votada em um referendo, ainda assim havia barreiras por parte dos políticos mais tradicionais e da elite, que foram sempre contra as mudanças. Para fazer isso, você precisa da força do povo, da pressão da sociedade. É aí que a tecnologia entra.
OM: O senhor acredita que hoje as pessoas acreditam mais no governo por terem participado das decisões?
EB: É difícil dizer, não tenho uma resposta clara. Isso deu às pessoas que participaram uma ideia de pertencer a algo. Eles eram mais que espectadores na recuperação da Islândia e, nesse sentido, foi uma espécie de cura para a sociedade. Foi mais construtivo do que simplesmente protestar.
OM: A iniciativa de chamar a população para participar partiu de quem?


EB: Começou nos protestos pela crise e, por causa dessa pressão da população, os políticos se mexeram para levantar essa ideia. Eles acabaram aceitando isso porque precisam ser reeleitos e pensaram que deveriam atender ao desejo do povo para que as pessoas votem neles novamente. Eles tinham medo de serem punidos nas eleições se fossem contra a nova democratização. Então, começa com o povo e termina com o povo.

Exercícios de redação

Dê as  causas dos seguintes tópicos frasais. Prossiga o parágrafo, escrevendo. Não pode alterar o que está colocado.
( desenvolva sem sair dum único parágrafo)

1 -  A rede de ônibus que percorre os bairros das grandes metrópoles não tem demonstrado muita eficiência no atendimento a seus usuários.

2 - O diálogo sincero e fraterno é indispensável para a compreensão entre os indivíduos.

3 - Verifica-se que a sociedade brasileira começa a demonstrar um profundo interesses em participar, em todos os campos, das decisões referentes à vida nacional.

4 - As novelas de televisão passaram a exercer uma profunda influência nos hábitos e na maneira de pensar da maioria dos telespectadores.

5 - As doenças infectocontagiosas atingem particularmente as camadas mais carentes da população.




quarta-feira, 26 de junho de 2013

O QUE FOI MAIO DE 1968? SOBRE O FILME OS SONHADORES.


1968. As ruas de Paris estão em polvorosa. Se “a revolução não será televisionada”, os jovens tomam de assalto as avenidas, ruas e bulevares da capital que o Barão Haussmann (1809-1891), braço arquitetônico de Napoleão III, havia projetado como um antídoto às redivivas barricadas. É de se esperar, então, que a trama de um filme ambientado em tal contexto se espraie pela torrente revolucionária das palavras de ordem e dos coquetéis Molotov, não é mesmo? Eis que o diretor Bernardo Bertolucci subverte a revolução das ruas e volta sua câmera para as ações intimistas d’Os sonhadores (2003). 

Os irmãos gêmeos e edipianos Theo e Isabelle, frequentadores contumazes da Cinemateca Francesa, logo travam amizade com um cinéfilo ainda mais obcecado, o universitário americano Matthew. “Talvez a tela de projeção não fosse nada além de um anteparo que nos protegia do mundo. Mas houve uma tarde, na primavera de 68, em que o mundo finalmente ultrapassou a tela de projeção”. Matthew sente forte atração por Isabelle, que, à beira de adaptar Édipo, ama o irmão Theo, que, por sua vez, estimula o incesto fraterno e, ao mesmo tempo, não deixa de tentar a sorte junto a Matthew. O triângulo está formado e logo se instala no apartamento dos anfitriões franceses. 

− Venha morar conosco, Matthew, nossos pais vão adorar você! 

George, pai dos irmãos sonhadores, é um poeta de renome. Theo não aceita a omissão do pai nas efervescentes questões políticas de seu tempo. 

− Por que você não assinou a petição contra a Guerra do Vietnã? Não foi você que escreveu que “Uma petição é um poema/ Um poema é uma petição”? Não são seus versos mais célebres? 

Antes de calar o filho com a autoridade do pai (ausente e) provedor, George responde a Theo com uma máxima que bem pode servir como uma epígrafe para o filme: 

− A negação do mundo implica também saber que se é parte dele. 

George e sua esposa vão embora – não sem antes legar aos filhos o cheque semanal que os exime dos papéis de pai e mãe. 

Maio de 68 trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os valores tradicionais. Se “é proibido proibir”, qual o limite das negações revolucionárias que pretendem fazer tábula rasa da História? Se “a negação do mundo implica também saber que se é parte dele”, em que medida a atitude dos pseudopais de Theo e Isabelle não reproduz a indiferença e o individualismo burgueses sob o pretexto de rompimento com as práticas da família tradicional? E que dizer da revolução dos sonhadores edipianos que transforma o mundo oniricamente dentro do confortável apartamento custeado pelos cheques do pai artista – e burguês? 

Theo, Isabelle e Matthew passam a entrelaçar a realidade à ficção. Os sonhadores caminham rente à fronteira da realidade ficcional, a bem dizer. Seus dias são embriagados por livros, discussões fílmicas, amor – e vinho. Garrafas e mais garrafas dos melhores vinhos franceses. Enquanto os estudantes revolucionários se engajam na contraposição efetiva da realidade que a eles resiste com gás lacrimogêneo, Theo, Isabelle e Matthew revolucionam a ficção de seu poliamor com cenas clássicas do cinema que tentam dar sentido à novidade de suas experiências. Maio de 68 veio para ressignificar uma série de práticas e valores ossificados. Nesse sentido, se o trio de sonhadores quer impedir Édipo de se cegar por conta do amor incestuoso, a quem eles podem recorrer senão à ficção? A realidade só lhes seria judiciosa e refratária. Matthew, cinéfilo erudito, cita a bíblia das imagens em movimento, os Cahiers du Cinéma (Cadernos do Cinema): 

– O cineasta é como um voyeur. É como se a câmera fosse o buraco da fechadura do quarto de seus pais. 

Theo, em um banho de espuma com Matthew, ouve atentamente. Súbito, o amante francês desponta com uma réplica inusitada: 

– Meus pais sempre deixaram a porta aberta de par em par. 

A resposta de Theo traz à tona uma revolução que o irmão de Isabelle viveu desde a infância. Em meio a uma família não familiar, será que o complexo de Édipo faz sentido como categoria de análise? Ora, a máxima do pai ausente mais uma vez se impõe:

– A negação do mundo implica também saber que se é parte dele. 

Theo e Isabelle haviam vivido, no microcosmo de seu apartamento, uma (de)formação que pudera antecipar as transformações de maio de 68. A revolução há muito lhes era cotidiana, mas o ritmo de modificação do mundo circundante não caminhava com a mesma velocidade. Os combates preparavam o terreno para que o conservadorismo burguês fosse atacado sob a guarnição das barricadas. Para Theo e Isabelle, no entanto, o apartamento custeado pelos pais já descortinava o que as décadas pós-68 transformariam em práticas rotineiras. (Ou será que vivenciaríamos a liberdade – e a banalidade – sexual da contemporaneidade se maio de 68 não houvesse bradado em alto e bom som que nenhuma nudez deveria ser castigada?) Por esse prisma, Theo, Isabelle e Matthew não são alienados típicos. Por mais explosiva e revolucionária que a realidade das ruas se apresentasse, o poliamor que os três vivenciavam transformava o apartamento no logradouro da utopia. A utopia, o não-lugar (u-topos) – no limite, o lugar nenhum. Mesmo com o magnetismo de seios tão esculturais quanto os da Vênus de Milo, Isabelle começa a temer pelo poliamor idílico diante da falta de realidade efetiva fora da realidade ficcional que ocupa todo um andar do belo bairro de Saint Germain. Um beijo intenso de Matthew e Isabelle é interrompido pelas imagens televisivas de maio de 68 atrás da vitrine de uma loja. O capitalismo começa a mostrar aos manifestantes que a revolução será televisionada. 

Theo: Matthew, por que você não está no Vietnã? 

Matthew: Eu tenho sorte, estou na universidade. Mas eu tenho amigos que não estão na universidade. Eles são dispensáveis... 

Bernardo Bertolucci desvela a origem dos soldados proletários que carregam os sonhadores sobre os ombros fatigados. Soldados que não vivenciam a utopia do poliamor, já que estão encenando seus papéis de protagonistas anônimos ou coadjuvantes principais em Apocalypse Now (1979), a trama distópica de Francis Ford Coppola em meio à Guerra do Vietnã. (Para os miseráveis que devem pregar a liberdade de mercado com bombas e napalm, o ópio será a única realidade ficcional, a única utopia.) 

Theo: Matthew, por que você não pensa em Mao Tsé Tung como um grande diretor fazendo um filme com milhões de atores? Aqueles milhões de guardas vermelhos marchando juntos para o futuro com seu Livro Vermelho nas mãos! Livros, não armas. Cultura, não violência. Você não vê que filme épico e belo seria feito? 

Matthew: É fácil falar de livros, e não de armas. Mas em seu filme não há livros. É só um livro. Um único livro. Os guardas vermelhos, aqueles de que você gosta, levam o mesmo livro, todos cantam a mesma canção, repetem a mesma ordem. Nesse grande filme épico, todos são coadjuvantes. 

Matthew sintetiza a cruzada que impulsionou maio de 68 na mesma medida em que as reivindicações revolucionárias foram sendo absorvidas pelo capitalismo cada vez mais metamórfico. As contestações deram vazão à criação de novos nichos de mercado. Senão, vejamos: a crítica devida que Matthew faz à ditadura chinesa também pode ser aplicada ao capitalismo de massas. A pluralidade de opções mascara sob os diferentes rótulos a mesmice da mercadoria. Tese de maio de 68: Sejamos realistas, peçamos o impossível. Antítese da Adidas: Impossible is nothing. (Nada é impossível.) Tese do movimento punk: Do it yourself! (Faça você mesmo!) Antítese da Nike: Just do it! (Apenas faça!) O capitalismo soube se transformar e transformar os valores tradicionais a reboque das contestações de 68. “Tudo o que é sagrado é profanado, tudo o que é sólido desmancha no ar”. Assim Marx procurou apreender o movimento perpétuo, contraditório e autofágico do capitalismo. Imbuídos do espírito de que “é proibido proibir”, os publicitários de uma famosa rede brasileira de fast food árabe criaram uma inusitada promoção. A propaganda mostra um discurso inflamado de Fidel Castro. Em meio à multidão ouvinte, desponta uma esfiha de carne vestida com a boina de ninguém mais que Ernesto Che Guevara. Fidel é inusitadamente interrompido para que a esfiha anuncie a “revolução nos preços”, a mais nova promoção da rede. 

Quando Isabelle se dá conta de que a utopia está fadada a terminar, a bela amante de Theo e Matthew constrói uma cabana de lençóis para resguardar o poliamor. Para continuar a sonhar de olhos abertos, é preciso estancar a realidade ficcional. Enquanto Matthew e Theo dormem, Isabelle tem uma ideia: o gás do fogão lhes trará a asfixia indolor e transformará o ménage à trois em uma bela foto cinematográfica. A morte dos atores não lhes deixará viver a dor da separação. O gás começava a confundir o sono com o desmaio letal quando, de repente, a realidade volta a invadir as frestas mal vedadas da ficção: uma pedra revolucionária estilhaça a janela. 

Isabelle: A rua veio voando para o quarto! Este cheiro é de gás lacrimogêneo! 

A tomada final apresenta a imersão de Matthew, Theo e Isabelle na multidão que até então lhes fora alheia. Maio de 68 sentencia aos brados:

− A barricada fecha a rua, mas abre o caminho!

O capitalismo de massas compreende a demanda de mercado e lança mão de seus agentes publicitários e fardados para que a revolta se transforme em espetáculo: 

– A barricada fecha a rua, mas a polícia abre o caminho. 

*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo. 

Intermitências da Memória: O legado de Maio de 68

Intermitências da memória: o legado do “maio de 68” francês
Por Fabio Mascaro Querido
“O dom de atear ao passado a centelha da esperança pertence somente àquele historiador que está perpassado pela convicção de que também os mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. Walter Benjamin, “Teses sobre o conceito de história” (Tese VI), 1940.
Toda rememoração do passado carrega consigo, inevitavelmente, uma visão específica do presente, temporalidade na qual os sentidos do ontem e do amanhã são permanentemente interpelados, reconstruídos, redimensionados. É sempre do presente que interrogamos o passado, e por isso, o ocorrido nunca é apresentado “tal como ele propriamente foi”, mas sim à luz de um “agora” entendido como instante político por excelência. O passado, como o presente, está em constante “disputa”. A herança não é um objeto inerte, mas sim aquilo que dela farão os herdeiros. É nesse sentido que, como diria Walter Benjamin, o passado interpela criticamente o presente.

Revolta
Os debates em torno do legado do assim chamado “maio de 68” francês, que se proliferam a cada data comemorativa, refletem esta “constelação saturada de tensões” entre o passado e o presente, entre o que efetivamente foi e aquilo que, no presente, pensamos ou gostaríamos que tivesse sido. Este embate “representativo”, mais do que uma disputa meramente historiográfica, constitui uma expressão de perspectivas políticas divergentes (se não antagônicas). Deste ponto de vista, seria o caso de indagar: qual o significado histórico, político e cultural do imaginário de “maio de 68” hoje, 45 anos após a sua irrupção real? O que as lutas operárias e estudantis daquele período tem a nos dizer no mundo contemporâneo, quando a fusão entre vida e arte (projetada pelos surrealistas e reivindicada pelos jovens de 1968) foi canalizada pelos imperativos da sociedade da mercadoria?
Para não poucos autores, alguns à esquerda do espectro político, Maio de 68 não foi senão o marco simbólico que removeu os últimos obstáculos à emergência da sociedade de consumo (mais tarde neoliberal), cimentando, desse modo, as bases ideológicas e culturais do pós-modernismo. Esta leitura estreita e unilateral, que não vê nos acontecimentos de 68 senão o estopim de uma revolta lúdica e efêmera, que prenunciaria por razões diversas o hedonismo pós-moderno, transformou-se na leitura “oficial” das inúmeras “comemorações” da data, como se, de fato, a “vitória” do Maio francês – se ela existiu - correspondesse à decisiva contribuição para o que, enfim, a sociedade se transformou: uma sociedade dominada pelos desígnios da mercadoria, cuja “modernidade” plena logrou eliminar quase definitivamente os entraves “tradicionais” (ético-morais) que bloqueavam o advento do sonhado mundo da liberdade mercantil. Tal leitura parece se confirmar à luz do fato de que parte significativa dos jovens protagonistas das lutas da época tornaram-se membros muito bem adaptados à ordem que naquele momento julgavam combater.
Memória
Daí as intermitências de uma memória que se transforma no tempo, e que responde a interesses específicos alojados no presente. Se não, como explicar que este período de lutas, no qual estalou (é preciso dizer) a mais massiva e mais longa greve geral da história, início de uma nova vaga de lutas operárias na Europa, seja transformado no ponto de partida simbólico de um paradigma societário caracterizado, entre outras coisas, pelo avanço inexorável da lógica mercantil que se alastra por todos os poros da vida social? Trata-se, sem dúvida, de uma inexorável amostra da capacidade do capitalismo “pós-moderno” de “integrar” demandas potencialmente subversivas, metamorfoseando-as em aspectos palatáveis à “diversidade” da sociedade das mercadorias. Mais difícil de explicar, porém, são as razões pelas quais muitos autores situados à esquerda no campo intelectual visualizam em Maio de 68 o início de uma decadência generalizada da política revolucionária, daí em diante gradativamente suplantada pela emergência fulminante dos “novos movimentos sociais”, apanágios práticos da diluição teórica pós-moderna.

Resgate
Se, ao contrário, na contramão das apropriações pós-modernas (paradoxalmente legitimadas por alguns guardiões da ortodoxia), se reconhece nos acontecimentos daquele período um momento importante da tradição de lutas dos oprimidos, em sentido anticapitalista, torna-se nítido que a eclosão de um individualismo sem individualidade e de um hedonismo sem prazer (avalizada pelos “novos filósofos” emergentes) não são o resultado de Maio de 68, e sim a consequência da sua derrota e do seu refluxo – para os quais contribuíram, vale dizer, as direções políticas e sindicais (PC e OS) hegemônicas no movimento operário. Sua rememoração constitui, portanto, hoje em dia, uma meditação sobre a derrota, mas sobre uma derrota que, ao ameaçar alterar o curso das coisas, legou ensinamentos decisivos às gerações posteriores, combustíveis utópicos que podem impulsionar os enfrentamentos atuais contra a transformação do mundo em uma grande mercadoria.
Para os jovens e os operários combatentes de 1968, assim como para muitos dos movimentos sociais e políticos atuais, “o mundo não é uma mercadoria”. Para os oprimidos do presente, é este o Maio de 68 que deve ser resgatado e rememorado, o Maio de 68 contra o qual vociferou Nicolas Sarkosy na campanha eleitoral em 2007. A rememoração ativa deste passado recente, à diferença das “comemorações” conformistas, só pode ser realizada por aqueles que, no presente, dão seguimento às lutas e ao horizonte anticapitalista entreaberto em 68, isto é, por aqueles que anteveem no imperativo de “revolução total” que ali se manifestou (buscava-se, ao mesmo tempo, mudar a vida e transformar o mundo) um horizonte estratégico ainda atual e necessário. Estes sabem que, sem memória do passado, não há luta pelo futuro. E sabem também que a herança encontra-se ainda em disputa, constantemente ameaçada pela apropriação apaziguadora por parte daqueles para os quais o legado de maio de 68 constitui uma ameaça à continuidade de sua dominação.
Remomoração Revolucionária
De onde a necessidade – defendida por Walter Benjamin nas “teses sobre o conceito de história” – da rememoração revolucionária da “tradição dos oprimidos”, a fim de impedir que ela seja metamorfoseada, por assim dizer, “em instrumento da classe dominante”. “Em cada época”, diz Benjamin (tese VI), “é preciso tentar arrancar a transmissão da tradição ao conformismo que está na iminência de subjugá-la”. Como? “Escovando a história a contrapelo” (tese VII), quer dizer, visualizando-a do ponto de vista dos “vencidos”, daqueles que resistiram ao “cortejo triunfal” das classes dominantes de sua época. É sob esta ótica que acontecimentos como os que ocorreram em maio-junho de 1968, na França, constituem uma “iluminação profana” permanente para as lutas das classes subalternas a cada novo presente, quando olham para as lutas do passado buscando prefigurações críticas daquilo que visualizam para o futuro.


 Fabio Mascaro Querido é  doutorando em Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
FONTE REVISTA CAROS AMIGOS