domingo, 9 de junho de 2013

Drogas, um novo horizonte


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Discutir políticas alternativas à "guerra contra as drogas" que levem em consideração aspectos múltiplos do problema além da esfera meramente criminal e repressiva deixou de ser esta semana apenas coisa de quem "quer a liberação das drogas" ou ideia maluca "de maconheiro".
Trata-se agora de decisão de Estado a que chegaram os 34 países participantes da 43ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, que terminou quinta-feira na Guatemala com um consenso segundo o qual a atual política de repressão e combate deve ser revista.
A Declaração de Antígua, denominada "Por uma Política Integral Frente ao Problema Mundial das Drogas nas Américas", firmada ao fim da Assembleia, é um passo inédito no sentido desta mudança.
O documento diz, por exemplo, que os países membros estão "convencidos de que as políticas sobre redução da demanda de drogas ilícitas devem centrar-se no bem-estar do indivíduo e seu entorno para que, a partir de uma abordagem multisetorial e multidisciplinar, utilizando evidência científica e melhores práticas disponíveis, baseiem-se em enfoques para reduzir os impactos negativos do abuso de drogas, e reforcem o tecido social, bem como fortaleçam a justiça, os direitos humanos, a saúde, o desenvolvimento, a inclusão social, a segurança cidadã e o bem-estar coletivo."
Isto pode ser entendido como a admissão da chamada redução de danos, combatida por tantos, como prática compatível com os novos tempos.
Ainda neste sentido e em outro trecho o documento reitera "a necessidade de fortalecer as instituições do Estado e suas políticas públicas e estratégias, em particular nas áreas de educação, saúde e segurança cidadã, a fim de melhorar a prevenção do abuso de drogas e da violência e dos delitos associados às drogas, com pleno respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais."
Isso seria algo como mais saúde, mais educação, mais acolhimento, menos prisão e truculência policial?
E o primeiro ponto propositivo do documento afirma, de cara, que "é fundamental que no Hemisfério se continue avançando, de maneira coordenada, na busca de soluções efetivas para o problema mundial das drogas, de acordo com um enfoque integral, fortalecido, equilibrado e multidisciplinar, com pleno respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, que incorpore a saúde pública, a educação e a inclusão social às medidas preventivas para fazer frente à criminalidade organizada transnacional e o fortalecimento das instituições democráticas, assim como a promoção do desenvolvimento local e nacional."
Esta mudança histórica de paradigma é desenvolvida, no documento, ao longo de mais de duas dezenas de proposições (veja a íntegra aqui: http://www.oas.org/pt/43ag), mas sempre deixando claro que simplesmente criminalizar o uso e/ou o usuário e combater militarmente o tráfico do jeito que vem sendo feito sob a liderança dos EUA há pelo menos quatro décadas - ao custo anual estimado em cerca de US$ 20 bilhões - é uma atitude que deve, sim, ser superada.
A presença do secretário de Estado John Kerry nos debates da Guatemala, embora mantendo-se firme contra a descriminalização, mas oficialmente admitindo discutir a política empreendida de forma hegemônica e intransigente por seu país, é o sinal mais emblemático de que mudanças concretas estão em curso.
O Brasil, como protagonista social e econômico do continente, terá papel decisivo no encaminhamento destas questões, de maneira que espera-se que a ampliação do debate por aqui ocorra de maneira ampla e saudável.
*
A Universidade Federal de São Paulo - Unifesp - publicou em seu site o seguinte texto, em reparo à minha coluna de duas semanas atrás:
"Na edição da Folha de S. Paulo de 25 de maio, o repórter Luiz Caversan comete um grave equívoco de informação, no artigo: "As drogas e a guerra perdida", publicado em sua coluna.
Segundo escreve Caversan: "(...) E ao que tudo indica o principal Estado e principal cidade do país consolidam esta linha de atuação, conforme ficou claro na participação do psiquiatra Ronaldo Laranjeira no programa Roda-Vida (TV Cultura) da última segunda-feira. Laranjeira, porta-voz de tudo o que se refere a drogas na Universidade Federal de São Paulo, agora também é responsável pela aplicação do programa do governo do Estado em que a tal "bolsa crack" se inclui e ainda por um outro programa referência da prefeitura paulistana, no populoso hospital Heliópolis." A afirmação segundo a qual o psiquiatra Ronaldo Laranjeira é "porta-voz de tudo o que se refere a drogas na Universidade Federal de São Paulo" é absolutamente incorreta. As posições defendidas pelo Prof. Ronaldo Ramos Laranjeira no Programa Roda-Viva exibido na semana passada na TV Cultura expressam sua posição pessoal sobre o tema, não sendo consensual nesta universidade. Como é próprio à natureza de uma universidade plural e democrática, há espaço para amplo debate de ideias e coexistem diferentes pontos de vista sobre esta e outras questões. Existem na Unifesp outros pesquisadores atuantes na mesma área, também reconhecidos nacional e internacionalmente, que não compartilham do seu ponto de vista e se posicionam a favor das políticas de redução de danos e outras iniciativas que visam promover uma visão mais abrangente da questão, não a limitando a ações na área da saúde mas promovendo ações educativas, de reinserção social e discussão política sobre os aspectos legais envolvendo esta complexa questão. Prof. Dra. Florianita Coelho Braga Campos Pró-reitora de Extensão da Unifesp.
Duas observações:
1 - Que bom que a Unifesp esclareça que o citado professor não representa unanimemente o pensamento daquela instituição de ensino, mesmo porque eu não afirmei que ele é único porta-voz da prestigiosa universidade. Tanto que, ao qualifica-lo como um porta-voz, não utilizei o artigo "o", que excluiria outros locutores. O que eu quis afirmar - e peço desculpas por não ter sido suficientemente claro - é que ele sem dúvida tornou-se nos últimos tempos o profissional daquela instituição de ensino e pesquisa que mais frequentemente aparece na mídia quando o tema é drogas - seja para dar entrevistas em que é corretamente qualificado como professor da Unifesp, seja para divulgar estudos desenvolvidos no âmbito da universidade e sob sua responsabilidade.
2 - Não seria o caso, diante da visibilidade alcançada pelas posições de um de seus professores, que a Unifesp proporcionasse meios concretos para que as opiniões de seus demais pesquisadores, muito apropriadamente referidos pela pró-reitora, também obtivessem destaque e repercussão equivalentes? O que, ao menos, tornaria público e notório que há naquela instituição posições progressistas, alinhadas, inclusive, com as importantes deliberações tomadas pela Organização dos Estados Americanos esta semana.
Luiz Caversan
Luiz Caversan é jornalista

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