domingo, 23 de junho de 2013

Manifestações de junho. Textos vários


As manifestações que se espalharam pelo Brasil de forma viral começaram contra o aumento das tarifas no transporte público e, com a adesão de diversos setores da população, tomaram outra proporção. Variadas bandeiras e inúmeros objetivos foram entrando na pauta dos protestos, que ontem, mesmo após a revogação do aumento das tarifas de grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, reuniram milhões de pessoas país afora.
Em São Paulo, a violência entre os próprios manifestantes se tornou evidente, e houve briga entre membros de partidos políticos e pessoas anti-partidárias. Para o cientista político Lúcio Flávio de Almeida, professor da PUC-SP, “vivemos um momento em que o sistema político não está representando grande parte da população”. Ele acredita que esse sentimento “pode ser canalizado tanto em um sentido mais libertário e democrático, como num sentido mais autoritário”.
O professor, que também é doutor em Ciências Sociais, participou das últimas grandes mobilizações populares no Brasil, como as Diretas Já e o Fora Collor, e também esteve presente nas manifestações das últimas semanas “na condição de trabalhador e cidadão”.
A entrevista ao Portal Aprendiz foi realizada em dois momentos. O primeiro aconteceu logo após o anúncio da queda da tarifa em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro; a segunda, depois das manifestações ocorridas na quinta-feira (20/06).
Leia a seguir a primeira parte da entrevista:
Portal Aprendiz – Depois de inúmeras manifestações populares, o aumento nas tarifas do transporte público foi revogado em várias cidades. Quais foram as principais consequências políticas dessa vitória?
Lúcio Flávio de Almeida - Houve um imenso movimento que nasceu com uma presença muito forte nas ruas. Foi uma vitória contundente, até porque a posição dos governantes, curiosamente tanto do PT como do PSDB, era duramente contra a revogação do aumento e demoraram a recuar. Apenas recuaram quando perceberam que não havia nenhuma alternativa, de cara amarrada e fazendo uma advertência implícita de que não concordavam com o que estavam decidindo e sempre lembrando que haverá custos. Tivemos um recuo marcado ainda por uma grande distância política em relação ao povo que estava nas ruas.
Aprendiz – Como continuar com esse movimento eloquente e vitorioso?
Almeida - Motivos pra continuar não faltam, afinal de contas nós vivemos num país que tem a triste sina de ser um dos detentores da pior desigualdade de riqueza no mundo. O Brasil disputa isso com alguns países africanos. A grande questão é saber quais pontos serão escolhidos, e se o movimento terá o mesmo impulso. Acho que o quadro ficará mais claro hoje.
O MPL sinaliza que priorizará as bandeiras da tarifa zero e da reforma urbana. Mas é preciso saber até que ponto haverá convergência e vitalidade para continuar essas lutas com o mesmo formato e com a mesma intensidade que foram levadas até agora. Temos uma grande interrogação e alguns sinais que ficarão mais claros a partir das manifestações de hoje à tarde.
Aprendiz – O senhor participou das últimas grandes manifestações de massa no Brasil, como a campanha das Diretas Já e o Fora Collor. Quais as principais diferenças entre o movimento de hoje e o de décadas atrás? Alguns conflitos entre os próprios manifestantes já existiam?
Almeida - Eles existiam, mas eram menos percebidos, pois havia uma clara hegemonia das forças políticas tradicionais. Não houve nenhuma manifestação que transbordasse as lutas dirigidas pelos políticos nacionais, tanto que mesclavam-se nas manifestações, como naquela do Anhangabaú, valsinhas de Strauss com o hino nacional.
O que havia de menos tradicional naquele período era o PT. Depois da derrota das propostas das Diretas Já no Congresso Nacional, a luta foi canalizada precisamente para a disputa dentro do colégio eleitoral.
Antigamente, o movimento era mais homogêneo e havia uma direção consolidada. Não é o caso desse movimento de hoje, mudou a dinâmica. Naquela época havia grandes comícios, muitos sindicatos, eram pessoas maduras, hoje são predominantemente jovens, sem nenhum sindicato por trás.
Aprendiz – Seria ousado definir este momento como “primavera” brasileira?
Almeida - Guardadas as proporções, ocorre no Brasil hoje parte dessa onda por democracia que envolve vários países do mundo. Mas diferentemente do que acontece no Oriente Médio, aqui não há a presença direta de grande potencial militar. Lá houve míssil, ataque aéreo, confrontos militares; nada disso ocorre aqui. Outro ponto de diferença é que este movimento daqui é mais focalizado, a pauta é muito mais específica, centrada numa questão de transporte coletivo. É claro que a partir daí uma quantidade imensa desses protestos começou a ter outras bandeiras.
Muitos desses movimentos de fora, principalmente na Europa e nos EUA, usaram de maneira eficiente as redes sociais. No Brasil, é o primeiro uso no confronto com governantes feito pelas redes.
Até agora, as manifestações brasileiras escaparam daquela dilema direita-esquerda-centro, onde você vota sempre de acordo com quem está no governo. O movimento conseguiu uma vitória, uma mudança que, poucas horas antes, havia sido chamada de uma “medida populista” pelo prefeito Fernando Haddad. Ou seja, é um movimento que faz parte dessa onda chamada primavera.
A seguir, a segunda parte da entrevista:
Aprendiz – Quais as suas impressões sobre a manifestação de ontem [quinta-feira, 20/06] em São Paulo?
Almeida - A manifestação de ontem foi um laboratório, estava muito fácil de ver as diversas forças que se dividiam pelas cores e de acordo com a parte da avenida Paulista que ocupavam – uma avenida de fácil observação, era só passar de um lado para o outro para perceber as diferenças. Grupos se separavam claramente, havia os manifestantes que ainda reivindicavam pela melhoria do transporte coletivo, e outros grupos enfatizando o problema da corrupção e muitas outras bandeiras, progressistas ou não.
A quem acha que as ideologias acabaram, esse momento foi de ideologia em estado puro. Havia a mistura de várias posições, pessoas com bandeiras de partidos políticos e outras contra qualquer tipo de partido. Houve situações em que essas pessoas contra os partidos cantavam o hino nacional. Isso aponta para uma realidade perigosa, pois você está se posicionando contra o partido, mas a favor do Estado, que ele seja forte e se relacione com o povo sem a mediação das agremiações políticas. Isso pode ser perigoso para a democracia.
Vivemos um momento em que o sistema político não está representando grande parte da população. Isso pode ser canalizado tanto em um sentido mais libertário e democrático, como num sentido mais autoritário. Precisamos estar atentos para como essa questão se desloca.
A diferença de número entre os manifestantes era tão grande que o grupo mais conservador simplesmente ocupou mais espaços, queimando bandeiras e expulsando os partidos do local.
Aprendiz – O MPL (Movimento Passe Livre) decidiu que não fará novas manifestações. Esse recuo é estratégico?
Almeida – O movimento transbordou e criou uma heterogeneidade muito grande. Esse pessoal que estava na reivindicação original do movimento foi engolido por uma manifestação em paralelo. Ontem eles perderam a direção. Acho um recuo saudável para poder analisar melhor o que aconteceu em São Paulo e o que acontece no Brasil todo. Eu intuo que o que está acontecendo em São Paulo é diferente do resto do país, mas somente pelas coisas que a gente está conseguindo ver pela televisão.
Levando em conta o discurso do MPL até então, ele tinha um engajamento na realidade muito forte. Ontem, esse engajamento foi no mínimo trincado. Houve uma virada muito significativa no movimento – se você pegar a imprensa dessa semana, ela é a favor do movimento, agora com outras bandeiras, e contra a repressão, sendo que na semana passada a mesma imprensa era contra o movimento e a favor da repressão.http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/06/21/para-cientista-politico-manifestacoes-sao-%E2%80%9Cideologia-em-estado-puro%E2%80%9D/
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O povo nos acordou? A perplexidade da esquerda frente às revoltas

22 de junho de 2013 
Categoria: Destaques
A situação nos coloca a urgência de reformular nossa postura na luta de rua e reafirma a centralidade do trabalho de base; assumem crucial importância os movimentos sociais que têm enraizamento na periferia.Por Caio Martins Ferreira
A força e as proporções assumidas pela luta contra o aumento das tarifas em São Paulo e outras capitais surpreenderam quase toda esquerda organizada. Um mês antes, dificilmente se previa que uma mobilização de rua fosse alterar de tal modo a conjuntura e impor uma derrota ao governo estadual e à Prefeitura, logo às vésperas da Copa das Confederações. Nossa dificuldade de compreender e responder a esse processo pode nos ajudar a explicar o preocupante avanço conservador no interior da mobilização.
10 anos de revoltas
O que aconteceu em São Paulo nas últimas semanas não começou agora, nem é novidade na maior parte do Brasil. Nos últimos 10 anos, várias capitais vêm sendo sacudidas por revoltas contra aumentos na tarifa, que assumem formas semelhantes: tomada e travamento de ruas, protagonismo de jovens (mas não exatamente estudantes universitários de esquerda), ausência – e aversão – da lógica da representatividade, e uma dose de espontaneidade e rebeldia. Descolados de estruturas, esses movimentos encontram no próprio espaço da cidade seu meio de ação e decisão.
Desde a Revolta do Buzú de 2003 em Salvador [1] e as Revoltas da Catraca de 2004 e 2005 em Florianópolis [2], essas lutas só cresceram e se fortaleceram (para citar outros casos vitoriosos: Vitória, Teresina, Porto Velho, Aracajú, Natal, Porto Alegre, Goiânia etc). O Movimento Passe Livre (MPL) surgiu em 2005 como uma tentativa de constituir uma expressão organizada dessas lutas, mas seu alcance é necessariamente limitado frente à forma como se desenvolvem as revoltas.
A mobilização por transporte público é certamente uma das principais lutas sociais urbanas da década.
Hoje é possível arriscar que na pauta do transporte estava uma rachadura. Uma rachadura no modelo político de consenso e apaziguamento da última década. Uma rachadura que, quando aberta em centros como São Paulo e Rio, virou um rombo. E o que fazemos frente a esse rombo?
A esquerda e as revoltas
A esquerda nunca deu a devida atenção à pauta do transporte e nunca tentou compreender seriamente as formas de luta desses movimentos, mesmo com eles acontecendo debaixo do seu nariz o tempo todo.
Essa falta de familiaridade explica a dificuldade das esquerdas em lidar com o processo atual. Da parte da esquerda institucional e moderada, isso ficou claro na postura desastrada do prefeito Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que demonstrou total inabilidade em lidar com os protestos.
Já entre as organizações da extrema-esquerda, parece haver muitas vezes um desencaixe entre sua forma e a forma que o movimento assume na rua. Não tanto – como se poderia supor – por causa da estrutura hierarquizada do partido, mas muito mais por uma diferença do ritmo e da linguagem que exige a política da rua. Isso fica visível, por exemplo, na dificuldade dos militantes em estabelecer relação com os demais manifestantes. Parece que passamos tanto tempo em reuniões, negociando e escrevendo notas, que desaprendemos a lutar na rua! Agora estamos reaprendendo na marra…
Nos atos, o MPL foi acusado diversas vezes de irresponsável, de inconsequente. Mas teria sido inconsequente ou ousado? São Paulo foi uma das poucas cidades onde o MPL conseguiu se estabelecer de forma permanente e sólida, aprofundando o debate sobre a pauta do transporte e desenvolvendo trabalho de base em escolas e bairros. Observando os erros cometidos aqui em outros anos e os acertos das cidades que baixaram a tarifa, o MPL-SP elaborou um planejamento estratégico para esta luta contra o aumento: deveria ser um tiro curto, intenso, radical e descentralizado. Esse planejamento não só foi aplicado como cumpriu seu objetivo: o aumento caiu.
Na última semana, porém, entraram em cena elementos que ninguém havia previsto. Primeiro, o impressionante grau de massificação, a nível nacional, com centenas de milhares de pessoas indo aos atos, o que, além de nos impor dificuldades práticas para a organização de uma manifestação tão grande, abriu margem à descaracterização da luta. Segundo, a entrada em cena da direita organizada, disputando o sentido das manifestações tanto internamente (distribuindo bandeiras do Brasil e hostilizando partidos de esquerda) quanto externamente (pela cobertura midiática, que impõe a tônica pacifista e dá suas pautas, diluindo as originais).
Para as organizações de esquerda ficou claro que resistir à direita significava garantir a centralidade da pauta única: a revogação imediata do aumento [3]. Mas, com o aumento revogado, se abriu um vácuo de pauta e nossa unidade se desmanchou.
Para onde vamos?
As mobilizações, no entanto, não pararam. A rachadura aberta parece mesmo virar um rombo. Agora que começou, o povo não quer parar de sair às ruas. Em seu jogo de manipulação, a mídia incentiva os protestos e orienta ao senso comum que a próxima pauta é o problema geral do Brasil: a corrupção.
Desorientada pelo vazio de pauta e pelas rápidas transformações na conjuntura, a esquerda se encontra isolada – e agora hostilizada pela direita – no interior de uma mobilização cuja dinâmica ela mesma não entende. Se a lógica das revoltas populares contra os aumentos já era estranha para boa parte de nós, a abrupta massificação tornou o processo ainda mais incompreensível para todos.
Neste momento, se faz urgente que a esquerda apresente uma pauta capaz de preencher o vazio, retomando politicamente o sentido das mobilizações. Mas é preciso que seja uma demanda concreta e objetiva, que de fato possa se reverter em uma conquista real, como foram os 20 centavos. Reivindicações genéricas e difusas tendem a só fortalecer a manipulação operada pela direita.
Ao mesmo tempo em que a mediocridade da classe média tomou conta do espetáculo cujo palco é a Avenida Paulista, começaram a proliferar manifestações nos bairros da periferia. De forma mais ou menos espontânea na terça-feira à noite (18 de junho), e encabeçadas por movimentos sociais organizados a partir da quarta-feira (19 de junho), a quebrada entrou na luta. Estaria nessas ações um potencial de retomada da radicalidade e combatividade do processo?
Ora, mais do que saber se o potencial existe, o importante é que tenhamos capacidade de desenvolvê-lo. Aí deparamos com outra fragilidade nossa: a escassez no trabalho de base. Assumem agora crucial importância os movimentos sociais que têm inserção e enraizamento na periferia. É sua atuação que pode dar corpo às pautas concretas a partir das quais avançaremos daqui em diante, dando espaço para que os trabalhadores assumam as rédeas do processo.
A situação nos coloca a urgência de reformular nossa postura na luta de rua e reafirma a centralidade do trabalho de base permanente (como bem explicou outro artigo neste site, pouco adianta combater o conservadorismo erguendo cartazes na Avenida Paulista: é preciso solapar sua base material [4]).
Sem medo de nós mesmos
É preciso tomar muito cuidado para não se deixar levar pelo clima de alarmismo que vem tomando boa parte da militância. Não podemos nos deixar assustar por termos chegado onde chegamos. Seria temer a nós mesmos. Fomos surpreendidos pela capacidade da nossa própria luta e, ao constatar que o processo nos levou a um cenário completamente novo e massivo, que nos escapa ao controle, tentamos nos censurar e assumir uma postura de imobilismo.
Concentremo-nos em nosso potencial e não em nossas fraquezas. Acabamos de viver uma vitória histórica para os movimentos sociais no Brasil, cujo impacto para nossas lutas ainda não pode ser claramente avaliado [5]. Não podemos assumir um clima de derrota só porque tá cheio de coxinha na Paulista. Recuar agora é fortalecer a investida conservadora. Quem derrubou os 20 centavos fomos nós – com nossas bandeiras e barricadas – e não ela. E agora temos diante de nós a chance de avançar ainda mais nas conquistas.http://passapalavra.info/2013/06/79837

Ouvir as Ruas

"A ocupação das ruas coloca em xeque o fato de que o direito à circulação é na realidade um privilégio"
As manifestações que tomaram conta do país nos últimos dias têm aglutinado grupos e demandas das mais diversas, mas certamente há pontos em comum importantes para que elas tenham se espalhado com tamanha força a ponto de conquistar a redução da tarifa de ônibus nas diversas cidades e o compromisso da Presidenta com uma agenda de debates e mudanças. Já que agora os governantes estão anunciando que vão ouvir as ruas, é melhor atentar para estes pontos comuns ao invés de tentar desqualificar o interlocutor alegando a ausência de lideranças.
O primeiro deles é que de uma atitude de passividade e alienação que tem sido característica da população brasileira por muitas décadas, estamos agora diante de uma clara demanda por participação. Uma demanda tão explícita que está superando inclusive a nossa paixão pelo futebol – a população parece dizer que até preferiria que a Copa não fosse aqui, já que não há transparência nos processos decisórios relativos aos investimentos feitos. Mas, o estopim da crise, o aumento das passagens, já trazia a mensagem: não importam argumentos de que o reajuste seria inferior à inflação, o que importa é que a decisão foi tomada sem que tenham sido ouvidos os principais interessados – ou seja, os milhões de usuários do sistema.
Deste aspecto já deriva o segundo ponto comum: o conflito claro e contundente entre democracia direta e democracia representativa. Todos os partidos e representantes eleitos pelo povo – prefeitos, governadores, Presidenta, vereadores, deputados, senadores, bem como suas equipes, foram acuados. Tiveram que sair pelas portas dos fundos, escapar de agressões, ficaram atordoados, reagiram de forma equivocada dando declarações que supostamente agradariam uma maioria conservadora ou simplesmente se calaram por tempo demais. A mensagem aqui também é clara: passadas mais de duas décadas de retomada da democracia, a população já não se sente mais representada pelos que são eleitos em processos que dependem de vultosas “doações” e alianças partidárias que incluem os posicionamentos mais antagônicos para garantir a continuidade do poder nas mãos dos mesmos grupos.
O terceiro aspecto que unifica as manifestações refere-se a sua estratégia de organização. Aqui entra a força avassaladora das redes sociais que pegou a todos, sobretudo os mais velhos, de surpresa. As ocupações são chamadas por diversos grupos para pontos comuns ou pontos diversificados e se espalham de forma viral pelas redes. Ao se encontrarem nos pontos indicados, a comunicação continua pelo celular já que não há carros de som. A informação para os que não estão no encontro continua de forma descentralizada: as pessoas filmam, fotografam, comentam e enviam para as redes sociais. E para as redes de televisão que perceberam a riqueza deste material e passaram a estimular que seus telespectadores lhes enviassem os registros. Ou seja, as manifestações estão também mandando um recado sobre o poder das novas tecnologias para o acesso, a criação, modificação e distribuição do conhecimento.
Por fim e não menos importante é preciso perceber a forma escolhida para a manifestação: a ocupação das ruas. Em São Paulo, são tão espalhadas as manifestações que dá a impressão de que a cidade toda foi tomada. Neste aspecto, a conexão com o ponto inicial de todo este processo é fundamental: a questão do transporte urbano. As manifestações reivindicam o direito à ocupação da cidade. No início, quando a mídia e os governantes ainda achavam que a “maioria pacífica” não iria concordar com esta bagunça – ruas fechadas, tráfego interrompido etc. – mandaram as forças policiais com toda sua truculência contra os supostos “bardeneiros”. Mas, depois, ficou claro que a maioria concordava com esta estratégia.
A ocupação das ruas coloca em xeque o fato de que o direito à circulação é na realidade um privilégio nas grandes cidades do Brasil hoje. Em São Paulo, por exemplo, apenas quem mora do centro expandido tem direito a se deslocar cotidianamente entre casa e trabalho com condições mínimas de dignidade. Os que moram na periferia são expostos cotidianamente a condições degradantes, mesmo que recebam vale transporte, ele não parece compensar a humilhação. E nem estes nem a maior parte da população, que não recebe o vale transporte, tem o direito de usufruir de centros culturais, parques, bibliotecas e cinemas. Em relação aos direitos de educação e saúde, também bastante citados nas manifestações, os hospitais e escolas do centro têm recursos consideravelmente melhores que os da periferia.
Enfim, se os governantes nos seus diversos poderes ouvirem de fato as ruas passarão agora a priorizar agendas referentes a criação ou fortalecimento de espaços de participação popular na formulação das políticas públicas, transparência na gestão administrativa, reforma política, acesso e distribuição das tecnologias da informação e mobilidade urbana. Os que evitarem esta agenda correm sério risco de precisarem continuar escapando pelos fundos.http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/06/24/ouvir-as-ruas/

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