terça-feira, 20 de agosto de 2013

MÍDIA NINJA. O QUE É?

http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%ADdia_Ninja

A SAGA DOS MARGINAIS

Hipólito da Costa era Ninja

Por Alberto Dines em 20/08/2013 na edição 760
 
Há um clima de estupidez no ar. Estupidez no sentido de barbárie, estupidez no sentido de estultice. Felizmente longe das guerras, damos a volta ao mundo em busca de um belicismo extemporâneo que distribui tacapes a quem deveria ocupar-se em construir consensos.
Para enfrentar o frio e/ou o esvaziamento das redações, nossa mídia empenha-se num esquentamento generalizado. Quer barulho, calor. A vítima do mais recente exercício de tiro ao alvo tem sido a nanica Mídia Ninja, subitamente alçada à posição de destaque pela própria grande mídia.
Arrependida e para não se desmoralizar, girou para o lado suas metralhadoras midiáticas e descarregou seu furor contra o coletivo musical chamado Fora do Eixo, onde o projeto Ninja foi incubado. O criador desse circuito alternativo, Pablo Capilé, foi convertido em Inimigo Público nº 1 e em seguida linchado pelas manadas de predadores das redes ditas sociais. É possível que o FdE tenha cometido erros e enveredado pelo caminho das simplificações, mas qualquer experiência antes de ser bem sucedida atrapalha-se com enganos.
A Mídia Ninja, comandada por Bruno Torturra, passou a chamar a atenção no exato momento em que o país começou a reparar nos absurdos e abismos para os quais estava (está?) sendo conduzido. Tal como as Jornadas de Junho, é um fenômeno – e os fenômenos precisam ser observados, comparados, referenciados, discutidos. Sobretudo aproveitados.
Injeção de ânimo
História é mudança, jornalismo é mudança em alta pressão, mudanças não percebidas geram desastres. Em abril passado, a indústria jornalística brasileira finalmente assumiu a sua crise identitária e estrutural. Em junho, enquanto a sociedade ia para as ruas tentando vocalizar suas frustrações, patenteou-se a incapacidade de nossa imprensa – e de nossas lideranças políticas, acadêmicas e administrativas – em perceber o que acontecia além dos respectivos umbigos.
A Mídia Ninja destacou-se naquele momento. Foi parar no Jornal Nacional – o registro oficial, autorizado, do que acontece. E essa façanha não foi casual, resultou da pasmaceira generalizada, do culto aos formatos rígidos e à inovação burocratizada.
Os Ninja entraram em campo com a tecnologia a serviço da autenticidade, da instantaneidade, e não a serviço da cosmética, do glamour e da falsa informalidade. Não chegou a ser um sacolejo real, foi uma promessa de movimento. Ninguém discutiu o seu “modelo negócio”, todos se animaram com o modelo de despojamento.
O fenômeno equivale ao acontecido nos anos 1960-70, durante a ditadura militar, quando uma imprensa amordaçada ou autocensurada só conseguiu aproveitar as lições e paradigmas da imprensa alternativa,udigrudi (de underground) ou nanica, quando o processo de distensão política já estava em andamento.
Qual era a matéria-prima da imprensa alternativa? A informação não censurada, a opinião livre, A Folha de S.Paulo foi atrás: não apenas criou uma página de opinião (que até então não tinha) como foi preenchê-la com a contratação de um punhado de marginalizados e punidos pela ditadura. Meses depois criou a segunda página de opinião (inspirada na op-ed-page dos americanos) e chegou mesmo a atrair para a equipe do jornal alguns azes da imprensa alternativa (o mais notório, Tarso de Castro, egresso doPasquim). Pouco depois, o jornal foi obrigado a recuar, esqueceu o surto libertário, e o resto da imprensa fingiu que nada acontecera.
Se não for atalhada, constrangida e manietada, a Mídia Ninja poderá equivaler em matéria de adrenalina, descontração e invenção aos nanicos e alternativos de quarenta anos atrás. Queiram ou não aqueles e aquelas que se consideram proprietários exclusivos da experiência alternativa.
Sentido de direção
A edição do Economist de 10/8 (pág. 30) relembra a história do estudante Soe Myint, que conseguiu escapar da brutal repressão dos militares da antiga Birmânia (hoje Myanmar), refugiou-se na Índia e lá criou uma agência de notícias usando uma rede clandestina de repórteres. O país prepara-se hoje para eleições livres e esses repórteres marginais estão em postos-chave da grande imprensa birmanesa. Eram alternativos, algo Ninjas, fizeram bom jornalismo, ficaram.
Perseguido pelo senador Joseph McCarthy, o repórter investigativo Isidor Fainstein entrou para a história do jornalismo americano como I.F. Stone. Ao longo de 17 anos, escreveu e editou sozinho um newslettersemanal com a melhor cobertura da política americana. Era um Ninja, tornou-se paradigma, instituição.
Antes dele, em 1808, um conterrâneo refugiado em Londres para escapar das malhas da Inquisição lançou um mensário que escreveu e editou sozinho durante 14 anos, o Correio Braziliense. Hipólito da Costa foi um clássico Ninja e tornou-se o patriarca da imprensa livre em língua portuguesa.
Os Ninja capazes de entender o conceito de renovação poderão dar sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada.
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FORA DO EIXO

O linchamento da Midia Ninja

Por Luciano Martins Costa em 19/08/2013 na edição 759
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 19/8/2013
 
Algumas das mais prestigiadas cabeças da imprensa têm se empenhado, nos últimos dias, a uma articulada operação com o objetivo de desmoralizar o coletivo de produções culturais chamado Fora do Eixo e, como resultado indireto, demonizar o fenômeno de midiativismo conhecido como Mídia Ninja.
Não se pode dizer que esse movimento seja organizado, da mesma forma como se planeja uma pauta de jornal, mas são fortes as evidências de uma estratégia comum em suas iniciativas. Há uma urgência na ação de desconstrução da mídia alternativa que nasce em projetos culturais à margem da indústria de comunicação e entretenimento – e os agentes dessa estratégia têm motivos fortes para isso.
Interessante observar que essa operação-desmanche reúne desde os mais ferozes e ruidosos porta-vozes do reacionarismo político até pensadores identificados com correntes vanguardistas, o que compõe um mosaico de discursos que vão dos costumeiros rosnados de blogueiros raivosos até lucubrações mais ou menos sofisticadas de intelectuais sobre o ambiente comunicacional contemporâneo.
Entre as mais ferozes dessas manifestações, certamente ganha destaque a “reportagem” publicada pelaFolha de S. Paulo no domingo (18/8), sob o título “Fora do Eixo deixou rastro de calotes na origem em Cuiabá” (ver aqui). O texto se refere a despesas, no total de R$ 60 mil, feitas pelos organizadores de um festival de música alternativa realizado em 2006 na capital de Mato Grosso, onde ocorreram os primeiros eventos do Fora do Eixo.
A reportagem é montada com depoimentos de comerciantes, que dizem estar tentando cobrar a dívida há três anos, e termina com o chamado “outro lado”: uma curta explicação da responsável pelas finanças do Fora do Eixo, reconhecendo o débito e afirmando que todos os credores serão pagos.
Ora, se a dívida é reconhecida e tem sido negociada, qual a justificativa para tamanho barulho?
Se usasse o mesmo critério para todos os casos semelhantes, o jornal deveria dar manchetes com a controvérsia sobre uma suposta dívida do grupo Globo junto à Receita Federal, e que é acompanhada de um escândalo sobre o sumiço do processo.
Com a mesma disposição, seria de se esperar que a imprensa acompanhasse o drama de centenas de jornalistas e outros profissionais que lutam há mais de década por seus direitos trabalhistas, apropriados por empresários do ramo das comunicações. Verdadeiros estelionatos foram cometidos contra esses trabalhadores, há evidências de chicanas na Justiça do Trabalho e denúncias até mesmo de desvio do patrimônio de fundos de pensão, sem que a imprensa se interesse por essa pauta.
Uma parceria impensável
O alvo central dos ataques é o principal articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, que já foi chamado de “imperador de um submundo”, como se os coletivos de ação cultural fossem um universo clandestino e fora da lei. O bombardeio inclui denúncias de “trabalho escravo”, “exploração sexual”, “formação de seita” e outras alegações que não sobrevivem a uma análise superficial, como as referências deletérias aos editais onde algumas dessas iniciativas buscam recursos.
Ora, não consta que os ativistas que agora vão a público acusar Capilé tenham ficado algemados ao pé da mesa nas Casas Fora do Eixo, ou que alguém tenha sido abduzido para se integrar aos coletivos.
Os editais são resultado de uma inovação produzida pelo ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que permitiu democratizar parte dos recursos oficiais de incentivo à produção de música, dança e artes visuais, com menos burocracia do que a exigida pela Lei Rouanet.
Aliás, há outra pauta mais interessante, que a imprensa ignora, sobre as fraudes no uso de recursos por grandes produtoras, como a prática de fazer seguidas captações financeiras com empresas de fachada. A cantora Claudia Leitte, por exemplo, é acusada de haver obtido perto de R$ 6 milhões em apoio oficial usando esse artifício.
Pode-se alinhar muitos exemplos da falta de proporcionalidade que a imprensa tem aplicado a erros ou desvios eventualmente cometidos por algumas das milhares de iniciativas do Fora do Eixo. Mas o mais interessante é a personalização das acusações, centradas na figura de Capilé – e que, por essa razão, apontam como alvo final a Mídia Ninja.
O processo de demonização desse fenômeno de comunicação produz até mesmo uma impensável convergência entre as revistas Veja e Carta Capital.
Carta Capital (ver aqui) contribui para deformar a imagem do Fora do Eixo e da Mídia Ninja ao afirmarque ex-integrantes do coletivo cultural têm medo de se manifestar contra o grupo, como se se tratasse de uma perigosa organização criminosa. A deixa é aproveitada pelo colunista mais virulento de Veja para uma de suas diatribes.
Quando os dois extremos do espectro ideológico se tocam, forma-se o círculo perfeito do conservadorismo que rejeita toda mudança.

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