FONTE:
http://ricardorose.blogspot.com.br/
sábado, 27 de abril de 2013
"Mesmo hoje em dia, continua prevalente a
ideia de que os empregos industriais
exigem maiores qualificações do que os empregos do setor de serviços, e que os
trabalhadores do setor de serviços são caricaturados como 'biscateiros' ou
'artistas de teatro mambembe'." - James Teboul -
Serviços em Cena
A cada ano, no dia 22
de março, celebra-se o Dia Mundial da Água. A data comemorativa foi criada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, para levantar discussões sobre este
precioso recurso com o lançamento do documento "Declaração Universal dos
Direitos da Água". O debate sobre este tema nunca é demais, já que grande
parte dos recursos hídricos do planeta ainda está sendo desperdiçada e poluída.
O quase desaparecimento do mar de Aral na Ásia Central, o rebaixamento do
lençol freático em várias regiões do globo, o assoreamento de grandes rios; são
sinais de que ainda há muito por fazer na gestão dos recursos hídricos.
A água, apesar de ser relativamente comum no
universo é rara na forma líquida sobre a superfície dos planetas. A Terra é um
dos poucos planetas que abriga grandes quantidades deste elemento: os oceanos
contêm 97% da água superficial do planeta; as geleiras e calotas polares têm
2,4%; rios, lagos e lagoas abrigam 0,6%. A água disponível para consumo das
espécies vivas, incluindo os humanos, é limitada, mas não insuficiente. Através
do ciclo hidrológico o líquido é depurado e redistribuído, atendendo às
necessidades dos ecossistemas da Terra. Este processo ocorre desde a formação
do planeta, há 4,6 bilhões de anos. Os problemas efetivamente apareceram quando
pela ação do homem seu uso se tornou excessivo e a água passou a ser devolvida
ao meio ambiente contaminada por elementos orgânicos e inorgânicos, na forma de
efluentes e lodos. Nesta situação, o ritmo de depuração natural da água é lento
demais para as necessidades de uma civilização perdulária com os recursos
naturais e aí começam a aparecer os problemas. Aqui vale lembrar que toda a
preocupação com a poluição e a crescente escassez da água em determinadas
regiões da Terra, afeta principalmente os seres humanos. Se, por algum acaso,
desaparecermos como espécie, o ciclo hidrológico cuidará da despoluição das
águas ao longo das eras. Não somos necessários para o funcionamento do
planeta.
O volume de água disponível na Terra, desde sua
origem, permaneceu quase inalterado. Os cientistas afirmam que apesar de toda a
contaminação a que é submetida, a água não desaparecerá, mas poderá se tornar
cada vez mais poluída e misturada a resíduos sólidos. Este processo fará com
que sua limpeza para usos mais nobres se tornará gradualmente mais cara e sua
concentração - em lagos, rios e no subsolo – poderá mudar. Por exemplo: a água
que se tornou cada vez mais rara no Norte da África nos últimos dez mil anos –
seja na forma de precipitação ou no subsolo –, propiciando a formação de um
deserto, deslocou-se para outras regiões do planeta, através do ciclo
hidrológico. São os fatores climáticos como os ventos e temperatura, associados
aos aspectos geográficos (montanhas, oceanos, rios, vegetação), que fortemente
influenciam a incidência de chuvas, principal fator no ciclo da água. Este
processo de realocação dos recursos hídricos é constante e sujeito a inúmeros
aspectos adicionais, que ocorrem ao longo de extensos períodos de tempo, como
as radiações solares, a mudança do eixo da Terra, erupções vulcânicas,
maremotos, etc. Daí a grande dificuldade de se desenvolver modelos simulados de
ciclos hidrológicos de grandes regiões ou longos períodos.
O impacto humano sobre os recursos hídricos aumenta
junto com o crescimento da população. Se antes a poluição era restrita a áreas
habitadas e de atividade agrícola, com o início da industrialização estes
aspectos mudam: em 1800 ahumanidade atingiu a marca de um bilhão de
pessoas, no início da primeira fase da Revolução Industrial. Daí para frente o
crescimento populacional aumentou num ritmo cada vez mais rápido: em 1930 o
mundo tinha dois bilhões de habitantes; 1960, três bilhões; 1975, quatro
bilhões; 1987, cinco bilhões; 1999, seis bilhões e 2012, sete bilhões de
pessoas. O crescimento da população só foi possível com uma maior oferta de
bens e alimentos, para cuja produção foi necessário mais consumo de água.
Os primeiros impactos significativos que os humanos
provocaram sobre os recursos hídricos ocorreram com a prática regular da
agricultura, que teve início há aproximadamente oito mil anos. Grandes
extensões de áreas plantadas, geralmente localizadas em regiões de pouca
precipitação pluviométrica (Egito, Suméria e vale do Indo), precisavam ser
irrigadas, através da construção de canais. Assim além de descarregar resíduos
e efluentes sanitários nos rios, estas culturas também fizeram obras de
engenharia que influíam no fluxo regular dos rios e na qualidade de suas águas.
Foram estas as civilizações que primeiramente mostraram uma preocupação com a
qualidade da água potável. Métodos de melhoria do gosto ou do odor da água
potável datam de antes de 4.000 a.C. Os documentos mais antigos tratando deste
tema foram encontrados em tumbas egípcias e em documentos da antiga Índia, onde
um texto médico denominado Sus´ruta Samita, datado de 2.000
a.C., dá instruções sobre o tratamento da água. Os métodos incluem a fervura,
aquecimento da água pela luz solar, a colocação de ferro aquecido na água,
processos de filtragem com gravetos e areia e mistura de certas sementes ou
pedras à água. Nas paredes dos túmulos de Amenophis II e Ramses II, faraós do
15º e 13º séculos a.C. respectivamente, encontram-se desenhos de equipamentos
para limpeza da água. Os gregos e romanos também desenvolveram técnicas para
purificação, já que os últimos tinham criado sofisticada engenharia para
captação e transporte de água através dos aquedutos.
As tecnologias de depuração da água não sofreram
alterações significativas durante todo o período medieval, até o início da Era
Moderna. As pequenas cidades da Idade Média eram abastecidas por água de poços,
espalhados pelo perímetro urbano, oferecendo água de relativa qualidade,
limitando o surgimento de epidemias provocadas por água contaminada. A partir
dos séculos XI-XII, com o aumento da população urbana e a lenta contaminação do
subsolo, a disenteria tornou-se doença comum. Causada por bactérias ou amebas e
disseminada por alimentos e água contaminada por matéria fecal, a moléstia
ceifou dezenas de milhares de vidas, principalmente de crianças, no período. A
partir do século XVIII, com o aparecimento das primeiras empresas de
fornecimento de água para residências, o processo de filtragem do líquido
tornou-se procedimento regular na Europa. Ao longo do século XIX a captação,
preparação e distribuição de água tornam-se mais comuns, aliando as novas
descobertas na área da medicina – entre outras a descoberta do vibrião da
cólera por Koch e os conceitos da microbiologia desenvolvidos por Pasteur –
disseminando-se pelas mais importantes cidades da Europa e dos Estados Unidos.
Foi somente no início do século XX que os serviços de tratamento de água se
popularizaram – pelo menos nos países mais desenvolvidos.
No Brasil as primeiras estações de captação e
tratamento de água surgiram no final do século XIX e início do século XX,
começando pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Por
volta de 1930 todas as capitais brasileiras possuíam sistemas de tratamento de
água. Estes, se não atendiam toda a população, pelo menos forneciam água
tratada para as regiões centrais e bairros mais antigos. A partir da década de
1940, com o aumento do êxodo rural e o crescimento da demanda por saneamento,
surgem as primeiras empresas públicas e autarquias de serviços de tratamento da
água. O setor de saneamento – especificamente o tratamento de água – tem um
grande impulso a partir do início da década de 1970 com a implantação do Plano
Nacional de Saneamento – Planasa. O plano criou as companhias estaduais de
saneamento, obrigou os estados a investirem no setor e estabeleceu linhas de
crédito com base em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
A década de 1980, também para o setor de saneamento, foi de relativa
estagnação, dado o alto endividamento do Estado e as elevadas taxas de
inflação. A retomada dos investimentos e a ampliação da infraestrutura do setor
só ocorrem a partir da estabilização da economia em 1994, com um aumento dos
recursos principalmente com a criação do Plano de Aceleração do Crescimento, em
2007. No entanto mesmo com a criação do Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), criado pelo Ministério das Cidades em 2012, e que prevê
investimentos de R$ 270 bilhões até 2030, as perspectivas para o setor ainda
são incertas.
Atualmente, 81% da população do País, cerca de 157
milhões de pessoas, têm abastecimento de água tratada. Os 37 milhões que não
são atendidos em suas necessidades básicas de água habitam principalmente a
região Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. Além de deixar de suprir parte
considerável da população com água tratada, em média 38% do volume de água
tratada são perdidos no sistema de distribuição. Isto sem mencionar que somente
47% do esgoto sanitário são coletados e apenas 38% deste volume coletado é
tratado – o que quer dizer que meros 18% do volume total do esgoto gerado no
Brasil são tratados.
Outro aspecto é quanto à qualidade da água tratada.
Segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 67% das cidades estão preparados
para fiscalizar e avaliar a qualidade da água que sua população consome. Não
havendo fiscalização constante, não se conhece a situação da água nas fontes de
fornecimento (lagos, rios, nascentes), no tratamento e nem no produto final,
distribuído aos consumidores. O problema é grave e já na década de 1960 as
autoridades de saúde dos Estados Unidos chegaram à conclusão de que não somente
a cor e a presença de patógenos ou produtos químicos deveriam ser os únicos parâmetros
na aferição da qualidade da água. Nessa época já havia uma série de novos
produtos químicos e farmacêuticos, que chegando às fontes de fornecimento
acabavam poluindo as águas e não eram eliminados nos sistema de tratamento –
mesmo com tecnologias de adsorção em filtros de carvão ativado. Hoje o número
de substâncias químicas de todo o tipo, que por vária maneiras chegam às fontes
de captação da água para consumo são bem maiores. Em pesquisa realizada pelo
Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com a água
consumida na Região Metropolitana da Região de Campinas, foi constatada forte
presença de interferentes endócrinos, substâncias que se ingeridas por longos
períodos podem interferir no funcionamento das glândulas. Durante o período de
pesquisa foram encontrados diversos tipos de hormônios e de esteróides
derivados do colesterol, produtos de origem farmacêutica e industrial. As
concentrações identificadas são em alguns casos mil vezes mais altas do que em
países da Europa. Estas substâncias são relacionadas com o aparecimento de
diversos tipos de câncer e não são eliminadas pelos sistemas convencionais de
tratamento de água em funcionamento no País, segundo especialistas. Mas
informações sobre o assunto estão emhttp://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju346pag03.html.
O tratamento da água com adição de cloro é bastante
eficiente em um país onde grande parte das fontes de fornecimento já está
contaminada por efluentes domésticos. Isto porque, grandes volumes de efluentes
não tratados são descarregados nos rios e lagos, que por sua vez também
fornecem água para consumo humano. Assim forma-se o círculo vicioso: a baixa qualidade
da água captada faz com que o tratamento se torne cada vez mais caro; e a
descarga dos efluentes torna as fontes de fornecimento cada vez mais poluídas,
encarecendo seu tratamento para consumo humano. Desta forma sobram poucos
recursos para tecnologias de tratamento da água mais avançadas que o cloro ou
dióxido de cloro, desinfetantes que não são unanimidade entre os especialistas.
Descobriu-se, por exemplo, que certos patógenos de água potável são resistentes
ao cloro e podem causar doenças como a hepatite, gastrenterite,
criptosporidiose e Mal do Legionário. Nos Estados Unidos, menos de 60% da água
para consumo humano têm adição de cloro; e em níveis mais baixos que no Brasil
– 4 PPM (parte por milhão) contra cinco PPM no Brasil. Na Alemanha e Holanda o
elemento só é utilizado em alguns casos, já que as fontes de fornecimento são
protegidas e controladas, proporcionando a captação de água de alta qualidade,
com pouca necessidade de tratamento. Pesquisas indicam que a exposição
prolongada ao cloro pode ocasionar câncer de bexiga, do aparelho digestivo e de
mama, devido à tendência do cloro de interagir com compostos orgânicos na água,
formando trialometanos (THM) e ácidos haloacéticos (HAA5).
O Brasil ainda está engatinhando no que se refere
ao tratamento e distribuição de água potável. Em uma primeira fase é preciso
atingir algo em torno de 95% de água tratada – mais do que isto é utópico para
um país com as dimensões do nosso. Mesmo o sistema alemão, eficiente e
descentralizado (operado por cerca de 6.000 empresas concessionárias) não chega
a atender 100% da população. Quando alcançaremos esta marca de pessoas
abastecidas com água tratada é difícil estimar; talvez em 10-20 anos,
dependendo de fatores econômicos e sociais. Em uma segunda fase provavelmente
seriam implantados sistemas de avaliação e fiscalização das fontes de
fornecimento. Para que esta providência seja efetiva, terão que ser reduzidos
ou eliminados os níveis de poluição por efluentes domésticos de rios e lagos,
que funcionam como fonte de captação de água para consumo. Em uma terceira fase
poderiam ser implantados sistemas mais eficientes de tratamento – já em uso em
algumas poucas unidades de tratamento – como sistemas de ozonização (O³) e
tratamento com raios ultravioleta (UV), que eliminariam a prática da cloração
da água. Esta solução provavelmente não será aplicada a todas as unidades de
tratamento do país, já que fatores econômicos e características regionais
poderão requerer outras tecnologias. Outra possibilidade, possivelmente a mais
provável, é que os avanços técnicos citados acima ocorram de maneira diversa,
em ritmos de implantação diferentes, nas variadas regiões do País.
(Imagens: fotografias de David Seymour)
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(Imagens: fotografias de David Seymour)
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