Para entender mais sobre Hannah Arend acesse o link
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/28/artigo210008-1.asp
Aqui filme recente sobre a vida dela. Só o trailer.
http://www.youtube.com/watch?v=WTQNWgZVctM
1. Violência e banalidade do mal
3. Em Arendt, o problema
do mal é abordado por uma perspectiva política e não moral ou religiosa
4. Odílio Alves Aguiar
5. Jerome Kohn,
assistente de ensino e intérprete de Hannah Arendt, escreveu que o problema do
mal é o principal eixo argumentativo a atravessar toda a reflexão
político-filosófica arendtiana. A base da reflexão da pensadora é a experiência
totalitária. Ao ligar essa experiência ao mal, Hannah Arendt apontou o
paroxismo da violência perpetrada pelos governos totalitários e mostrou a
insuficiência das teorias e categorias científicas, econômicas e políticas
tradicionais para captar e explicar a novidade do que estava acontecendo. O
domínio total é mais opressor que a escravidão e a tirania, é mais destruidor
que a miséria econômica e o expansionismo territorial. O controle total
pretende atingir e capturar os humanos; adota, como critério de legitimidade
governamental, a redução dos homens a seres naturais. O recurso à categoria do
mal é uma forma de tentar compreender o inexplicável e visa aproximar-se
reflexivamente da primeira tentativa de constituição de uma forma de governo,
no Ocidente, baseada na purificação e no extermínio dos seres humanos.
Trata-se, assim, de pensar o mal nas sociedades secularizadas sem apelar ao
teor teológico-religioso.
6. O tema do mal, em
Arendt, não tem como pano de fundo a malignidade, a perversão ou o pecado
humano. A novidade da sua reflexão reside justamente em evidenciar que os seres
humanos podem realizar ações inimagináveis, do ponto de vista da destruição e
da morte, sem qualquer motivação maligna. O pano de fundo do exame da questão,
em Arendt, é o processo de naturalização da sociedade e de artificialização da
natureza ocorrido com a massificação, a industrialização e a tecnificação das
decisões e das organizações humanas na contemporaneidade. O mal é abordado,
desse modo, na perspectiva ético-política e não na visão moral ou religiosa.
7. Faz-se necessário
esclarecer, antes de avançarmos, que Hannah Arendt nunca sistematizou suas
reflexões sobre o assunto. Colhemos os elementos do seu ponto de vista nas
seguintes obras: Origens do totalitarismo (1951), Eichmann
em Jerusalém (1963), A vida do espírito (1971) e em
outros textos publicados postumamente. Essa bibliografia está muito bem
articulada no livro de Nádia Souki intituladoHannah Arendt e a banalidade do
mal (Ed. UFMG).
8. Contingência do mal
9. Em Origens,
o tema aparece no cotejamento e prolongamento da reflexão kantiana sobre o mal
radical. Kant percebeu que o mal pode ter origem não nos instintos ou na
natureza pecaminosa do homem e, sim, nas faculdades racionais que o fazem
livre. Dessa forma, o mal não possui dimensão ontológica, mas contingencial.
Ele acontece a partir da interação e da reação das faculdades espirituais
humanas às suas circunstâncias. O mal radical, em Kant, é uma espécie de
rejeição consciente ao bem e está atrelado, ainda, ao uso dos homens como
meios, instrumentos, e não fim em si mesmo. Arendt retém esse aspecto da
reflexão kantiana, acrescentando-lhe a dimensão histórico-política do seu
próprio tempo. Nela, o radicalismo vai relacionar-se à novidade e ao assombro
diante das informações chegadas às suas mãos nos Estados Unidos, em 1943, sobre
Auschwitz. Ela associou o mal radical aos campos de concentração, base de
sustentação da nova forma de governo em gestação. Isso faz o assunto
ultrapassar a questão judaica, embora seja incompreensível sem ela. Holocausto
é pouco para captar o que surgiu, pois não se trata apenas da execução de
judeus. Esse algo a mais faz sua obra dizer coisas relevantes para todos nós. O
mal radical está associado ao totalitarismo, organização governamental e
sistemática da vida dos homens prescindindo do discurso e da ação,
considerando-os meros animais, controláveis e descartáveis. É uma forma de
governar sustentada, explicitamente, no pressuposto do extermínio de setores da
população e não apenas na sua opressão ou instrumentalização. Isso não diz
respeito apenas à exclusão sócio-política do criminoso, nem à eliminação do
opositor ou inimigo, mas a atualização da lógica da descartabilidade humana
inerente àquelas formas de governo.
10.
Ao considerar a população apenas do ponto de vista biológico, laborante,
o governo total tratou de eliminar qualquer instituição ou vínculo humano que
pudesse dar abrigo à solidariedade, à ação e à diferenciação entre os
indivíduos. Destruindo o mundo comum (partidos, família, arte, religiões,
sindicatos, justiça e outras formas de organização), no qual as pessoas
poderiam ser amparadas e respeitadas, os governos totalitários constituíram-se
baseados na propaganda, na espetacularização, na atomização, na solidão, na
padronização, na coletivização das massas e na redução do homem a animal,
ocupado exclusivamente com a sua reprodução biológica. Os regimes totais
conceberam os homens apenas como seres vivos e prolongaram esse critério na
escolha dos merecedores da vida. O grande temor, presente nos textos da pensadora,
é que o extermínio, a nova terapia contra os humanos considerados impuros e
indignos, inerente aos governos totalitários, viesse a constituir-se em
elemento imanente aos governos e sociedades contemporâneas. Isso levou Arendt a
afirmar: “talvez os verdadeiros transes do nosso tempo somente venham a assumir
a sua forma autêntica – embora não necessariamente a mais cruel – quando o
totalitarismo pertencer ao passado”.
11.
Cumprir o seu dever
12.
A questão do mal retorna, em Arendt, quando ela aceita o convite de uma
revista americana para fazer a cobertura do julgamento de Eichmann ocorrido em
Jerusalém, em 1962. As questões jurídicas e filosóficas envolvidas nesse caso
foram muito bem debatidas no livro Justiça em tempos sombrios de
Christina Ribas (Ed. UEPG). Se, ao mal radical, Arendt associa o surgimento e a
prática da violência extremada e sistemática contra setores da população por
parte de uma nova forma de governo, ao mal banal, ela vai relacionar a prática
dos agentes encarregados de executar as ordens governamentais. Quem foi
Eichmann? Trata-se do principal responsável pelo envio dos judeus aos campos de
concentração. Em todos os relatos de Arendt, verificamos uma profunda
perplexidade com a forma de Eichmann falar das suas atividades como carrasco
nazista. Ele usava clichês, palavras de ordens e a moral da obrigação do bom
funcionário para justificar o seu comportamento. Para ele, em nenhum momento,
podia ser enquadrado como criminoso, pois apenas cumpria a sua obrigação, o seu
dever. Eichmann era um ser humano normal, bom pai de família, não possuía
nenhum ódio ao povo judeu e não era motivado por uma vontade de transgredir ou
por qualquer outro tipo de maldade. No entanto, viabilizou o assassinato de
milhões de pessoas. Foi justamente isso que levou Arendt a usar o termo
banalidade do mal. Estamos diante de um tipo de mal sem relação com a maldade,
uma patologia ou uma convicção ideológica. Trata-se do mal como causa do mal,
pois não tem outro fundamento. O praticante do mal banal não conhece a culpa.
Ele age semelhante a uma engrenagem maquínica do mal. O mal banal parece ser um
fungo, cresce e se espalha como causa de si mesmo, sem raiz alguma e atinge
contingentes enormes das populações humanas em diversos lugares da terra.
13.
A pergunta de Arendt, ao se deparar com os depoimentos de Eichmann, foi:
“o que faz um ser humano normal realizar os crimes mais atrozes como se não
estivesse fazendo nada demais?” A resposta está no mal banal. Trata-se de uma
prática do mal promissora nas sociedades massificadas, possuidoras de
organizações econômicas, políticas e sociais potentes, nas quais os seres
humanos tendem a se sentir sem poder, solitários, submissos e quase
condicionados. Vivendo apenas como animal laborante, os homens tecnificam e
burocratizam as suas obrigações e se tornam, desse modo, incapazes de pensar as
conseqüências das ordens dadas pelos seus superiores ou grupos. Eichmann,
segundo Arendt, agiu igual ao cão de Pavlov, que foi condicionado a salivar
mesmo sem ter fome. Ele não praticou o mal motivado pela ambição, ódio ou
doença psíquica. Nada disso foi encontrado em Eichmann. A única coisa que
chamou atenção de Arendt foi a sua incapacidade de pensar. Ao renunciar ao
pensamento, Eichmann destituiu-se da condição de ser dotado de espírito que lhe
possibilitaria o descondicionamento e, assim, dizer: não, isso eu não posso.
14.
O mal como renúncia à capacidade de julgar
15.
O mal banal caracteriza-se pela ausência do pensamento. Essa ausência
provoca a privação de responsabilidade. O praticante do mal banal submete-se de
tal forma a uma lógica externa que não enxerga a sua responsabilidade nos atos
que pratica. Age como mera engrenagem. Não se interroga sobre o sentido da sua
ação ou dos acontecimentos ao seu redor. Buscar o sentido não é apenas se
informar, não é algo da ordem do conhecimento nem da aferição da eficácia.
Trata-se de medir e buscar a estatura do que está acontecendo a partir do crivo
da dignificação dos envolvidos. Quem pensa resiste à pratica do mal. A busca da
significação encontra muita dificuldade quando a pressa, os mecanismos e
procedimentos técnicos, burocráticos e os processos econômicos auto-propelidos
engolfam tudo. O praticante do mal banal renuncia à capacidade pertencente aos
humanos de mudar o curso das ações rotineiras através do exercício da vontade
própria. Repete heteronomamente o seu comportamento. Não se reconhece dotado de
vontade, capaz de iniciar, fundar e começar. Ele também não exercita a
habilidade, peculiar aos homens, de falar e comunicar o que está vendo e
sentindo. Vive sem compartilhar o mundo com os outros. Renuncia, desse modo, à
faculdade do julgamento. Em suma, recusa-se a viver com os dons provenientes
das suas faculdades espirituais: pensar, querer e julgar.
16.
Ao relacionar o mal ao vazio reflexivo, Arendt aponta para uma possível
compreensão da violência nas sociedades contemporâneas. Nessas sociedades, o
mal realiza-se na banalidade, na injustiça e nas radicais práticas de violência
contra apátridas, imigrantes, mulheres, desempregados, índios, negros,
crianças, idosos e a natureza.
17.
A partir dessas teses, vemos emergir, na autora, formas de contraposição
ao mal radical e ao mal banal. Na primeira, a autora propõe a recuperação da
política, do mundo comum, principalmente, em A condição humana (1958);
na segunda, aponta a retomada da dimensão ética em A vida do espírito (1971).
Pensar, julgar e querer desembocam no cuidado com o mundo comum, no amor
mundi, para usar a terminologia de Arendt, no respeito aos espaços
onde os homens podem circular e se sentirem amparados pela presença dos iguais
e dos diferentes. Nesse mundo comum os homens mostram que nasceram para começar
e não para morrer.
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/violencia-e-banalidade-do-mal/
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