quinta-feira, 25 de abril de 2013

Você deve ver este filme.O passado que vive em nós.



As investigações da Comissão Nacional da Verdade tornam atual o filme "Hoje", pronto desde setembro de 2011 e que só agora chega aos cinemas


Sérgio Rizzo
Cena de "Hoje", filme de Tata Amaral
Há atrasos que vêm para o bem: a demora entre a conclusão de Hoje – que estreou em setembro de 2011 no Festival de Brasília, do qual saiu com os prêmios de melhor filme, atriz, roteiro, direção de arte e fotografia – e a sua chegada aos cinemas, em abril de 2013, terminou por “esquentá-lo” graças à reflexão para a qual nos convida. Entre um momento e outro, em maio do ano passado, a presidente Dilma Rousseff instituiu a Comissão Nacional da Verdade para investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988.
Desde então, o assunto voltou com intensidade à pauta nacional, como demonstra O fim do esquecimento, de Renato Tapajós, que trata da mobilização social pela apuração de crimes cometidos durante os governos da ditadura civil-militar de 1964, e que faz sua estreia em abril no É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários. Pois bem: Hoje trata da memória – individual e coletiva – dos “anos de chumbo”, com uma trama intimista que se desenrola ao longo de um único (e extenuante, sofrido) dia, expondo o drama dos desaparecidos políticos e de suas famílias.
Ambientada em março de 1998, a ação tem início com a chegada de Vera (Denise Fraga) a um amplo e antigo apartamento, na região central de São Paulo, para o qual ela está se mudando (as locações foram no Edifício Louvre, na av. São Luís, projetado nos anos 1950 por João Artacho Jurado). Enquanto dois carregadores trazem os móveis e as caixas, que ela se apressa em abrir para reorganizar a vida, a visita inesperada de Luiz (o uruguaio César Troncoso, de O banheiro do Papa e Infância clandestina) joga luzes sobre o passado da nova moradora. Está dada a largada para um jogo que a diretora Tata Amaral (Antônia – O Filme) conduz com sua comprovada habilidade para tratar de personagens que vivem situações-limite entre quatro paredes, como em seus dois primeiros longas, Um céu de estrelas (1996) e Através da janela(2000).
Baseado no romance Prova contrária, de Fernando Bonassi, o roteiro de Jean-Claude Bernardet, Rubens Rewald e Felipe Sholl adota soluções próprias para encenar a trama do livro, mas mantém o reencontro entre os protagonistas na segunda metade dos anos 1990 em virtude de uma coordenada dramática: interessa, ao romance e ao filme, tratar do impacto e das decorrências da Lei 9.140, a Lei dos Desaparecidos, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 4 de dezembro de 1995. Ela reconhece como mortos os desaparecidos políticos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e estabelece indenizações às famílias das vítimas com base na expectativa de sobrevivência dos mortos.
Ninguém estranharia se Tata lamentasse o tempo que Hoje demorou para ter a chance de encontrar seu público, mas ela prefere celebrar a feliz conjunção da estreia tardia com a atualidade do tema. “Incrível, né? Parece que ele foi feito para isso [para o debate atual]”, comemora a diretora. “Quando comecei o projeto do filme, em 2005, ninguém falava nisso. E agora o assunto é uma urgência, uma discussão que precisa ser feita. Há toda uma percepção internacional de que a tortura é um crime de lesa-humanidade e que, portanto, a sua pena é imprescritível”.
“Se você encontra um nazista na rua”, exemplifica Tata, “você é obrigado a entregá-lo às autoridades, mesmo que seja um velhinho caquético. Por que no Brasil os torturadores ficaram impunes? Não pode. Se não encaramos a tortura do passado, continuamos torturando. Nós aceitamos a tortura na nossa sociedade”. A diretora vê Hoje como a lembrança de que “é importante falar disso, identificar e punir os torturadores”. Para eventualmente perdoá-los, ele acredita, “é preciso antes saber quem são”. “Eles é que precisam pedir perdão para que então sejam perdoados pela sociedade. É uma discussão que diz respeito a todos nós, e não só àqueles que foram vítimas. Nós todos ficamos indignados com as torturas nas prisões. E, nelas, funciona o mesmo aparato de tortura [da ditadura], os mestres são os mesmos”.
Há também algo de muito pessoal no filme. “Quando li o livro, fiquei muito impressionada com a cena em que a personagem descreve que sofreu tanto que pensou em se matar”, lembra Tata. “Entendi ali o que aconteceu com meu primeiro marido, que morreu em outras circunstâncias [Luiz Carlos Alves de Souza Filho, a quem o filme é dedicado, se suicidou]. Entendi você querer morrer quando perde uma pessoa que ama. Eu tinha 19 anos quando aconteceu. Resolvi que queria falar disso. No filme, essa cena é a do meu suicídio. Só não fui adiante por causa da minha filha, que era bebê e estava no quarto ao lado. Fiz dessa história a minha, um filme que fala da ausência e da possibilidade de reencontro com uma pessoa que foi importante”.

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